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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Rodrigueanos I e II


I

“Quando você olhou para mim e disse, com a segurança de um cardeal francês, que eu não era fiel ao meu noivo, tive vontade de lhe cuspir na cara...”
“E pensa que eu não percebi?... Mas também não podia deixar de dizer aquilo. Não que eu tivesse qualquer prova da sua infidelidade, mas foi uma maneira arriscada de lhe dar uma cantada.”
“Cantada?!... É engraçado... Fiquei com aquilo martelando na minha cabeça, dias, semanas inteiras...”
“E...?”
“O pior é que a raiva me fazia lembrar você o tempo todo. De repente a raiva foi passando, passando e desapareceu... E eu continuei a pensar em você...”
“Menos mal...”
“E agora fico toda excitada só em pensar numa possibilidade...”
“Qual?”
“Quero trair o meu noivo... Com você...”
“Jura?”
“Hoje à noite, você vem ao meu apartamento...”
“E ele?”
“Está viajando... Só volta no domingo. Quero lhe agradecer...”
“Agradecer?”
“Você pode não acreditar, mas agora eu só consigo me excitar quando penso que estou traindo o meu noivo com você. E sabe o que mais? Jamais tive um orgasmo com ele...”

II

Toda primeira sexta-feira do mês, ali pelas nove e meia da manhã, fizesse chuva ou sol, a viúva do escriturário Maranhão visitava sepultura do marido. E lá lhe depositava um cravo, um copo de leite ou mesmo uma rosa amarela, dependendo do seu estado de espírito. Ritual que cumpria com santa religiosidade.
Seios fartos, envoltos em decotes profanos, Solange descobriu, numa dessas manhãs, um gari a masturbar-se por detrás do mausoléu ao lado. Não dei queixa e nem se tomou de falsos pudores ou indignados moralismos. Por fim, ofereceu-se a oportunidade que tanto esperou para vingar-se do marido infiel e devasso.
Toda primeira sexta-feira do mês, ali pelas nove e meia da manhã, com chuva ou sol, a viúva do Maranhão continua a vestir-se como uma dama da noite e a visitar-lhe a sepultura. Só que agora leva na bolsa uma camisinha lubrificada e uma calcinha limpa.
Trai o canalha em cima da lápide fria e com um gari da prefeitura...

Izaías Almada é escritor, dramaturgo e colunista do Blog Rodapé. Contos do autor no livro O VIDENTE DA RUA 46, Ed. Mania de Livro

Um comentário:

Anônimo disse...

Vingativa não?

Tati

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