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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 10 de março de 2010

Quem nos incutiu a ideia de que trabalhar é bom?

A piada condena o trabalho. Diz que o melhor dia da semana é a segunda-feira, porque é o mais distante da outra segunda. As pessoas queixam-se que se matam de trabalhar. O mês mais esperado do ano é o mês de férias. Os gregos consideravam o trabalho um castigo dos deuses do Olimpo. Afinal, quem nos incutiu a ideia de que trabalhar é bom?
O assunto foi tema de uma interessante reportagem do jornal londrino “The Observer”. A publicação mostrou que foi a Idade Contemporânea que tirou do trabalho o peso de uma maldição e fez acreditar que o emprego era um caminho para a felicidade. A partir do século 18, a Revolução Industrial e os teóricos que ela inspirou transformaram o trabalho em algo indispensável para a satisfação humana.
Com as fábricas funcionando a todo vapor, as pessoas passaram a ser incentivadas a consumir bens que elas não necessitavam, de forma a manter o bom funcionamento do sistema e fazer girar a economia. Surgiu a sociedade do consumo, que possibilitava aos operários comprarem o que fabricavam. Destacavam-se as ideias do economista escocês e pai do liberalismo econômico, Adam Smith, que dizia serem os trabalhadores a riqueza das nações.
Mas, com o passar dos séculos, o sistema financeiro deixou de ser baseado na riqueza física para ser equilibrado em uma corda bamba, ao sabor das especulações nas bolsas de valores. Segundo o “The Observer” agora a riqueza vem de “números que surgem no ar e têm tendência, como demonstram os acontecimentos recentes, a desaparecer de novo”.
Se a riqueza das nações não vem mais dos trabalhadores, este é, então, o fim da era do trabalho. Quem foi demitido já sofre as consequências da mudança de paradigmas. Portanto, pouco mais de 150 anos após o auge da Revolução Industrial, o que sobrou daquele furacão sociológico foi um mundo viciado em consumo e controlado pelas modas, que batalha por um emprego em um mercado escasso.
Disse Karl Marx que o capitalismo é autofágico, ou seja, vai se autodestruir. Se as previsões dele forem corretas, o processo já começou e, infelizmente, a tendência é que as coisas piorem. Se o mundo não inventar um novo sistema, diferente de todos os que já existiram, é possível que em alguns séculos muita gente esteja vivendo como na Idade Média, à base de escambo.

Sergio Denicoli é jornalista e pesquisador de mídias digitais na Universidade do Minho, em Portugal. Mantém a coluna Território Europa neste Nota de Rodapé

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