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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 25 de março de 2010

São Paulo é uma cidade com obesidade mórbida, mas e daí, quem liga?

SP está se degenerando a cada chuva, a cada trânsito de centenas de quilômetros, a cada morte sem sentido no farol, a cada árvore que cai ou favela que desaba, a cada recorde de vendas no comércio, a cada shopping a mais, a cada bolo de aniversário. Uma cidade que não se suporta, que virou uma obesa mórbida, com vícios que levam ao “sem sentido” diário. Assim é São Paulo, o meu quintal, o meu jardim de cimento que todos os dias apronta uma molecagem com seus mais de 11 milhões de habitantes.
É a cada porrada dolorida que vamos levando a rotina. E a gente se conforma. Será que no fundo a gente gosta? O trânsito virou o óbvio e a volta para casa uma corrida ao tesouro que para uns pode ser o deitar no sofá, ver a novela, usar a sua droga, brigar ou namorar com a sua vida singular. Trabalhar e ir pra casa. Ir pra casa e trabalhar.
Isso aqui me parece um refúgio de doidos. Todos, do pobre ao rico, em seus carros e motos e nesses prédios todos. Ou o povão suado e esfolado que todos os dias enfrenta filas infindáveis a espera das lotações que são paus de arara em versão moderna. Tem o aquecimento global que ninguém liga; tem os alagados paulistanos do Jardim Pantanal e Romano que servem de “notícia”; tem a miséria na esquina da sua casa ou defronte ao seu prédio de luxo; tem tudo isso aí que estamos cansados de ver, cheirar e mastigar. Ouvir a mediocridade é um prazer cotidiano.
Qual o sentido de habitar, então? De conviver? Me digam, vai, os especialistas...
O tempo, os dois, o do relógio e do clima se estapeiam para ver quem leva a melhor em nos deixar, por nossa culpa, na pior. A gente criou o monstro da convivência desproporcional e, na boa, ninguém sabe resolver. Eu mesmo escrevo esse texto egoisticamente, porque voltei para casa da Vila Madalena até a Lapa de Baixo de moto, cortando trânsito, na busca do meu refúgio, da minha ilha. O lema é economizar o tempo.
Uma amiga me liga à tarde. “Minha rua virou um rio. Estou ilhada, nos vemos outro dia” Dizer o que? Ah, a culpa é dos governantes, a gente paga nossos impostos e esses filhos de uma puta só nos fodem. Mentira! Não é só isso. A tal da mobilização popular virou item em descompasso com a atual realidade. Quem se mobiliza? A minoria. E a minoria, a não ser que tenha o poder da caneta mágica, não consegue transformar.
Essa porra toda é fruto da nossa criação. A cidade só faz crescer em número de carros, prédios, estacionamentos, restaurantes, estradas... Só faz crescer em consumo de energia, de água, de comida. A cidade e quem vive nela só pensa em metas. Cumprir metas de crescimento. “Vai, vai, vai!”. Produção!
Já não vejo árvore na minha rua. Só existem postes e um horizonte interrompido por um prédio. Longe de ser poético, longe de ser mais ácido do que consigo com esse desabafo, pense, reflita aqui vai, só um pouco: o lugar onde você vive melhorou ou piorou nos últimos 10 anos?
Há tempos entrevistei a filósofa Olgária Mattos. O tema era o tempo. Me disse: “Esse sentimento de não ter tempo é a manifestação de algo estrutural na sociedade, que é o trabalho. O trabalho é totalmente esvaziado de sentido, no mundo capitalista, com a automação do movimento do gesto do trabalhador (...) O trabalho continua sendo o trabalho alienado que esmaga fisicamente ou espiritualmente, porque não tem sentido nenhum. Agora, a monotonia contemporânea é o tempo da longa duração, e no capitalismo essa longa duração é insuportável, por isso as pessoas querem matar o tempo, porque não sabem o que fazer com o tempo livre.”
O tempo livre, diria mais, é solapado nessa volta para casa. Mas se só piora é porque, bem lá no fundinho, gostamos assim, de sofrer, de ter motivo.
Não posso pensar ou planejar sem me angustiar. Sair do trabalho e exercer qualquer atividade não laboral se tornou um obstáculo fruto da nossa falta de inteligência social. Simplesmente não comporta mais. Viver o “seu tempo” é uma espécie de “assédio moral”. Viramos uma sociedade desconectada de sentido. O desenvolvimento alucinado serve a quem? A maioria é que não é. Mas e daí, quem liga?

Thiago Domenici, jornalista

Um comentário:

Unknown disse...

Pego um táxi. Aquela conversa banal com o vizinho de banco. De repente, um silêncio e o cara me diz: "O ser humano se acostuma com tudo, com qualquer coisa". Bingo, é isso. Acostumar-se a viver aqui ou... Ou o que? Qual a outra opção?

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