Você está almoçando e, de repente, passa pela porta o cineasta Pablo Trapero (Família Rodante e Leonera). Está tomando o chá da tarde e se depara com Bielsa, não El Loco Bielsa, mas seu irmão, Rafael, ex-ministro de Relações Exteriores.
Quando resolve ir ao Museu Jorge Luis Borges, vê na porta Gabriela Michetti, espécie de ministra-chefe do governo da cidade de Buenos Aires. Como não fosse suficiente, na sequência sai Maurício Macri, o chefe em si, com sua “cara de nada”.
O mais interessante nessas últimas andanças, no entanto, ocorreu dois minutos depois. Quando entro no museu, após superar o borbulho da saída macrista, uma senhora de irretocável elegância, cabelos meio brancos e meio pretos – não são grisalhos, não nos confundamos, passa a explicar-me a visitação com uma incrível quantidade de detalhes.
Alguém a chama pelo nome – Maria – e, por um segundo, passa pela cabeça que pode ser a esposa de Borges. Mas não, não poderia ser. Eu, leigo em Borges, tudo o que sabia sobre sua esposa é que era uma pessoa muito mais jovem que ele. Mas seria, achava eu, impossível que fosse tão mais jovem a ponto de seguir ativa vinte anos depois da morte do escritor, com cara de senhora recém-ingressada nas artes da 3ª idade. E mesmo que se mantivesse desta maneira, não ficaria à porta do museu recebendo as pessoas.
Eis que alguém lhe chama e entrega um envelope: Maria Kodama. Sim, é ela. Nisso já se haviam passado muitos minutos de conversa com a esposa de Borges sem sabê-lo. Me senti um dos maiores idiotas da face da Terra. Estava ali, na minha frente, e não sabia. Nos minutos que se seguiram, duas pessoas se somaram à conversa e Maria passou a nos apresentar o museu – que, caso alguém se interesse, fica na Calle Anchorena, Barrio Norte, paralela à Avenida Puerreydon.
Contou que abriu tudo na raça, com dinheiro que Borges ganhou em um prêmio. A casa abriga alguns escritos, muitas lembranças, milhares de livros. Em cada um deles, o escritor fazia observações na contracapa. Em um deles, em letra miúda, Borges anotou contradições que encontrou ao longo do enredo. “Depois disso, nunca mais deixei anotações em livros. Você vê o quanto elas revelam da personalidade das pessoas”, afirma, quase tietante, admirada com a inteligência e a concentração de Borges.
Ainda há um apartamento abarrotado de coisas do autor, mas falta apoio para expandir o museu. No entanto, a melhor guia turística sobre Borges está segura que, no próximo ano, tudo vai sair do papel. Ela conta que a casa ao lado é aonde o escritor viveu quando era criança. Maria tentou comprar o imóvel mas, quando contou ao dono que ali havia vivido Borges, a transação se tornou impossível.
− Você venderia? - pergunta
− De jeito nenhum – respondo
− Pois bem. Eu entendo – afirma Maria.
E dá por encerrada a visita.
João Peres é jornalista e colunista deste Nota de Rodapé
Um comentário:
Ano passado eu fui visitar a tal casa, onde Borges viveu sua infância. Andei como louco, quando chego lá, descubro que a casa é apenas um salão de cabeleireiro. Una peluqueria! Não havia museu, registro, nada. Quanta decepção... Me restou uma sorveteria bem próxima para afogar mágoa da indiferença portenha frente à Borges.
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.