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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Filme de Stone vale a pena. Com ressalvas

Vale a pena ver o filme de Oliver Stone sobre essas nossas terras ao Sul do mundo. Apesar de algumas generalizações desnecessárias, “Ao sul da fronteira” guarda boas críticas e, na pior das hipóteses, é uma diversão.
A cena inicial é magistral para conduzir aos fins que Stone quer. Se a ideia é mostrar a desinformação da mídia e da sociedade atingida por ela, o começo não poderia ter sido melhor. Uma apresentadora da Fox afirma que o “ditador” da Bolívia, Evo Morales, mastiga “folhas de cacau”. Bendito seja, que loucura essa mistura de saliva e cacau, que sonho atingir tamanho barato. Em uma só frase, uma incrível reunião de ignorância: Evo não é ditador, a folha mastigada é de coca, não de cacau, e não se constitui, absolutamente, em um ato de gravidade a mastigação, tão antiga quanto os povos andinos.
Stone começa ali a desmontar as mentiras contadas por parte da imprensa dos Estados Unidos que, sob as correntes do patriotismo, coloca-se a reproduzir todas as mentiras que a Casa Branca queira contar. (Aliás, vale um parêntese. Algumas das mentiras dos EUA sobre drogas na Bolívia, lembra um amigo que também viu o filme, são as mesmas contadas por José Serra nas últimas semanas, afirmando que o governo da Bolívia é cúmplice do narcotráfico).

Chávez não é o centro
O diretor, no entanto, cai logo em seguida num erro. Se a intenção era mostrar os movimentos que estão ocorrendo na América do Sul como um todo, Stone não deveria ter dedicado tanto espaço a Hugo Chávez. Ainda que o venezuelano seja aquele que há mais tempo está no cargo e, de alguma maneira, represente o início da virada à esquerda na região, ele não é o líder do processo. Quem vir o filme sem conhecer a realidade local – e tomara que muitos o vejam nos Estados Unidos – sai com a impressão de que Chávez é o centro de tudo.
A bem da verdade, cada país tem encontrado as próprias respostas para uma crise neoliberal que, esta sim, foi comum entre nós todos. Quando sai da Venezuela, Stone põe-se a entrevistar muy rapidamente cada presidente, não se aprofunda nas questões locais e, por consequência, recorre a simplificações equivocadas.
Como, por exemplo, quando afirma que Cristina Kirchner é bolivariana. Mesmo que se aceite o rótulo “bolivariano” para os governos que têm se dedicado a uma agenda mais autônoma para seus países, certamente não é o caso de Cristina. Tampouco seria o caso de Lula. Talvez nem mesmo o de Rafael Correa, do Equador.
De todo modo, vale a pena ver. Recomendo fortemente uma sessão especial para Leitão, Cantanhêde, Kramer e Jabor. Estarão quase a olhar-se no espelho ao ver outro âncora da Fox que, na falta de argumento melhor, chama Daniel Ortega, da Nicarágua, de “maior pedófilo do Ocidente”.
Se puder recomendar outros dois filmes sobre nós outros, prefiro citar “Crise é nosso negócio” e “A revolução não será televisionada”. O primeiro pode ser encontrado em lojas por aí. O segundo deve estar por YouTube ou afins.



João Peres é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

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