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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Quando brigam os ricos, morrem os pobres

As eleições no Brasil e os preconceitos que saíram do armário; a pré-eleição argentina e a xenofobia que coloca pobres contra pobres

“Cuando los ricos se pelean mueren los pobres”. Em tempos de Twitter, de comunicação grunhideira, uma jovem de Buenos Aires precisou em apenas oito palavras o momento vivido pela cidade – e, mesmo sem saber, definiu parte do que se passa no Brasil. Lá, como cá, declarações infelizes da seara política transferiram-se ao campo social, literalmente transformado em campo de batalhas verbais e, algumas vezes, físicas.
A atual onda de violência em Villa Soldati, bairro pobre de Buenos Aires, tem como nascedouro as falas de Maurício Macri, prefeito de Buenos Aires e candidato à presidência pelo PRO no ano que se aproxima. Macri é um tipo político que dá às pencas no Brasil: sob o invólucro da liberalidade, tenta apresentar como normais as ideias mais fascistas que se possa imaginar. Ao anunciar recentemente que faria uma distribuição de títulos de propriedade aos moradores de favelas, provocou um efeito colateral que mostra como o prefeito não sabe do que trata – a proposta, que pode ser vista como eleitoreira, ou pode ser vista como responsável socialmente, é na verdade uma reafirmação da crença de que o deus-mercado resolve todos os problemas: Macri acredita que, distribuindo os títulos, imobiliárias e construtoras poderão comprar as propriedades e, ali, estabelecerem seus predinhos bonitos que, revendidos, resolverão o enorme déficit habitacional.
Até aí, o candidato havia simplesmente cometido um erro de avaliação baseado em seu equivocado ideário neoliberal. Ocorre que centenas de famílias carentes correram para ocupar terrenos nas áreas que seriam supostamente beneficiadas, algumas delas dentro do Parque Indoamericano. Os pobres destes bairros, irritados com essa chegada repentina de...pobres, deflagraram uma onda de intolerância difícil de se classificar, já que não se trata de intolerância de classes. Macri, ainda não saciado de erros, apressou-se em falar que tudo isso é culpa “do avanço da imigração ilegal, onde se oculta o narcotráfico e a delinquência” - não por acaso, lembra alguém que conhecemos bastante. O resultado foi que os vizinhos, aos gritos de “bolivianos, vão embora”, uniram-se numa batalha física que já fez quatro mortos – dois bolivianos, um paraguaio e um argentino.
Macri continuará tranquilamente sua carreira política, recheada de erros colossais e visões racistas de mundo. À noite, jantará em algum restaurante classe A+ de Buenos Aires, dormirá em um apartamento gigantesco de um bairro a salvo de incômodos – leia-se, pobres – e poderá contar todas as mentiras que quiser durante a campanha do próximo ano.
No Brasil, poderíamos citar alguns casos bastante parecidos de políticos que, a esta altura, dormem tranquilamente em seus apartamentos, digamos, por exemplo, na zona oeste de São Paulo, viajam vez em quando para a Europa, e só passarão pelo incômodo de verem pobres pela frente daqui a dois ou quatro anos.
Enquanto isso, crescem as manifestações de intolerância social e, como diz a jovem argentina, quando brigam os ricos, morrem os pobres. As manifestações preconceituosas das últimas semanas, que resultaram em diversas agressões físicas, não são outra coisa se não o fruto de ideias que deixaram fascistas à vontade para sair do armário. As eleições deste ano, pobres no debate, foram ricas em falsificações da realidade que levaram a crer que o Brasil deve ser um Fla-Flu eterno, dividido entre Sul-Maravilha e Nordeste-Barriga-de-fome, apenas para citar um dos recortes, simplificações absurdas que persistem devido a décadas de desinformação por parte, fundamentalmente, de setores da imprensa.
Evidentemente, as intolerâncias estavam aí, não haviam deixado de existir. Mas a difusão irresponsável dos pensamentos segregacionistas, fundamentalistas e, obviamente, intolerantes, levou a uma fratura social de difícil remédio. Aqueles que poderiam apaziguar os ânimos, ao que parece, estão mais preocupados em debater seus egorrumos e não terão a coragem de assumir os erros. Ao contrário, preferirão, como faz Macri, jogar na conta dos outros.

João Peres
é jornalista, repórter da Rede Brasil Atual e colunista do Rodapé

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