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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Realidade catastrófica

O mundo deveria acabar no último dia 21 de maio. Ao menos é no que apostavam os adeptos do grupo cristão evangélico estadunidense Family Radio, que comprou dezenas de espaços nas principais cidades dos Estados Unidos e Canadá para anunciar que o juízo final viria na data.

Com sede na Califórnia, o Family Radio lançou uma campanha mundial na qual advertia que “só os verdadeiros crentes se salvariam”. Em sítios na internet, assim como nas ruas, o grupo gastou uma fábula para estampar frases como: "o Dia do Juízo Final é o dia 21 de maio de 2011. A Bíblia garante".

A não ser que eu ainda não tenha percebido o fim e que o Nota de Rodapé tenha ultrapassado barreiras dimensionais, indo muito além do virtual, acredito que o planeta, assim como a vida que nele existe, resolveu contrariar a previsão.

Comunicação
e ironia


Dirão que estou sendo irônico em demasia. Talvez. Contudo, grandes ironias se dão no âmbito da comunicação. Exemplo clássico disso ocorreu a partir das 20h de 30 de outubro de 1938. Era o Dia das Bruxas nos Estados Unidos e Orson Welles transmitia uma dramatização de "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells, pela rádio CBS.

Por uma hora, músicas eram interrompidas com entradas de repórteres em crescente tom de desespero à medida que relatavam explosões em Marte e meteoritos caindo na Terra, o que, na sequência, seria descrito como uma invasão alienígena que aniquilaria o mundo. Pura travessura de Welles. Uma traquinagem midiática que, como experimento, testou a capacidade das pessoas em acreditar no que os veículos de comunicação transmitem.

Na semana do dia 21 de maio, a mídia circulou a informação do “fim do mundo”. Muitos crentes ficaram crédulos. Uns não trabalharam. Outros pensaram em suicídio. A maioria das pessoas não levou as notícias a sério. No geral, emissores e receptores compartilhavam mensagens em tom de zombaria. Desde a propaganda patrocinada pelo grupo evangélico até a divulgação por veículos jornalísticos, a coisa toda deu sinais de nova brincadeira.

Dura realidade

Após tanta invencionice, uma dose cavalar de realidade. Chega a ser um coice. Eis que se apresenta a falta de cuidado de boa parte da mídia ao trabalhar informações – não tomando por base o fim do mundo da Family Radio ou a destruição alienígena de Welles, mas os noticiosos cotidianos.

Bastou uma edição regular do Jornal Hoje, da Rede Globo, no dia 24 de maio, para esquecer o catastrofismo e a ficção. Reportagem sobre o crescimento do número de celulares no Brasil e a repórter larga para a entrevistada: “entre dois rapazes, se um tiver o aparelho da sua operadora e outro não, você liga pra quem?”. Resposta: “ligo pro que tiver o da minha operadora”.

Depois dessa, para que preocupação com o fim do mundo ou com invasões alienígenas? Hoje, o maior cuidado é tirar minhas filhas da sala quando começa um telejornal.

Moriti Neto é jornalista

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