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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Uma vergonha que nos une

Mona Lisa sem seu encatador sorriso e com o olho roxo no
cartaz de um concurso europeu sobre violência contra a
mulher. O autor é Luis Silva, de Portugal.
Há pouco mais de dois meses moro em Salamanca, uma cidade universitária espanhola de cerca de 150 mil habitantes onde a violência é coisa rara. “Mais tranquila que o pátio de um convento de freiras”, definiu um amigo colombiano.

Para quem vem de Bogotá (como ele) ou de São Paulo (como eu), viver aqui é um agradável exercício diário de desconstruir algumas paranoias. Entre elas, a do perigo das madrugadas. Em qualquer dia da semana é comum garotas caminharem sozinhas, saídas das discotecas rumo a suas casas.

A possibilidade de acontecer algum tipo de violência com elas é quase a mesma de que caia um meteoro em suas cabeças.

Mas na semana passada, nem bem o relógio marcava nove da noite, a calma da cidade foi interrompida por um homem de 66 anos, que “armado” de um machado, atacou sua companheira (dois anos mais velha que ele) a poucos metros da praça central.

Dizem as testemunhas que a senhora só não foi morta no ato porque um herói anônimo (que acabou ferido) conseguiu dominar o agressor que não tinha passagem pela polícia. Ela está na UTI.

A Espanha, em geral, é um país que não padece da violência que nós, os latino-americanos, sofremos diariamente. A maior causa de morte no país é o câncer e não traumas causados por balas ou acidentes de carro. Ver alguém armado, ler sobre ataques a bancos ou assaltos a casas não é algo corriqueiro nem mesmo nas cidades grandes – ainda que esse tipo de violência venha crescendo nos últimos tempos.

Recordo uma pequena discussão que aconteceu na Colômbia durante uma oficina de jornalismo que participei. Uma colombiana, um pouco brava com os comentários duros do professor, um espanhol, o acusou (e citou a Espanha toda) de ser grosso, mal-educado.

há algo que (infelizmente) une espanhóis e latino-americanos: as agressões contra as mulheres.

A resposta dele, meio em tom de brincadeira e algo de sarcasmo, foi de que ela tinha razão, que os espanhóis se desentendiam por tudo, falavam alto, mas não eram como esse gente “amável” que se mata nas ruas depois do segundo copo de bebida. Fazia referência à banalização da solução pela bala que impera em muitos países do nosso continente.

No entanto, há algo que (infelizmente) une espanhóis e latino-americanos: as agressões contra as mulheres.

Na sexta-feira foi celebrado o dia contra a violência de gênero. O jornal El País compilou todas os homicídios que noticiou neste 2011 relacionados ao assunto. São 54 relatos que têm muito pouco em comum além da covardia praticada por homens contra suas companheiras (ou ex).

O perfil das vítimas e dos assassinos é variado, democraticamente dividido entre classe social, idade – a mais jovem das mortas tinha 18 anos e a mais velha passava dos 70 – e nacionalidade.

Espanholas, brasileiras, chinesas, suecas, italianas, colombianas, bolivianas, peruanas que sucumbiram após serem atacadas a golpes de facas, canivetes ou qualquer objeto capaz de ferir (o uso de armas de fogo é raro).

Em muitos dos casos não “bastava” aos agressores matar, queriam desfigurar suas vítimas, botar fogo em seus corpos, destruí-las.

Diferentemente da maioria dos países da América Latina a Espanha tem um sistema jurídico e uma polícia que funcionam bastante bem. Tem leis que protegem a mulher (como a Maria da Penha, no Brasil), canais efetivos de denúncias e muitas campanhas contra a violência de gênero.

Ainda assim, as agressões e ameaças persistem.

Chama a atenção nos relatos do El País que a grande maioria dos agressores foram presos minutos depois do ato praticado. Muitos deles inclusive ligaram para a polícia avisando que haviam cometido um crime e/ou esperaram pacientemente a chegada das autoridades.

A fama de “macho latino-americano”, a violência epidêmica e a certeza da impunidade poderiam explicar, em parte, porque essa prática primata de se agredir a uma mulher ainda persiste em muitos países da América Latina.

Mas como justificar que em lugares onde nenhum desses fatores acima citados se aplicam ainda existam tantos casos de homens que, por não aceitar que o amor acaba, agridem e matam?

Ricardo Viel, jornalista, colunista do Nota de Rodapé e do Purgatório

Um comentário:

Anônimo disse...

Triste realidade que lentamente esta mudando e que bom, basta já , Mulher é chegada a hora, basta de conviver com um violentador, é chegada a hora .

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