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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

bora aí

Meu pai jura e minha mãe sacramenta que eu quase nasci dentro do elevador da maternidade. Papai diz que viu minha cabecinha saindo. Mamãe conta ter ouvido da ascensorista que a culpa era da Lua cheia, apressadora de partos. Sempre achei o detalhe do elevador pitoresco demais para ser real. Mas na minha família é assim: perca a verdade, mas não a história.

Minha irmã Cláudia, a mais velha e chefe da matilha, já teve uma chegada mais dramática. Saiu a fórceps, com a carinha amarrotada. Mamãe, parturiente de primeira viagem, fazia força para dentro. Toda grávida deveria intuir que parir é esforço para fora. É dar o rebento à luz. Empurrar o Raimundo para o vasto mundo.

Depois de mim, veio o Júlio que engoliu a placenta. O pobrezinho por pouco não morre sufocado. Com as duas últimas irmãs, Lucíola e Cristina, os partos foram na maciota. Mamãe conhecia o procedimento de cor. Também, soletrado o que a esperava: varais de fraldas de pano, sopinhas feitas na hora, e um iTunes de choros interrompendo as madrugadas.

Tem a história da minha amiga Cida. Capixaba da serra, ela nasceu em casa. Depois que saiu uma menina gordinha, a parteira gritou: Alto lá! Tem mais um! Esse mais um era a Cida. Época sem ultrassonografia, ninguém sabia que a mãe esperava gêmeas. O pai resolveu chamar a inesperada de Maria Aparecida. Não por conta da padroeira do Brasil, mas por conta do aparecimento.

muitos jeitos de parir. De cócoras, dentro d'água, em pé, deitada na rede, no chão batido, no deserto, no Mar Morto, no Marrocos, em Pirituba. Quantos somos mesmo? Sete bilhões!
De rigorosamente iguais: todos paridos. Tinha que ganhar um feriado. O Dia Internacional do Parto. Seria muito mais tangível do que o Dia Internacional da Paz.

Uma vez assisti ao parto de uma cadela dachshund - a popular salsichinha. Foram cinco filhotes em onze horas de trabalho. Canseira. Outro dia, no Animal Planet HD, assisti ao parto de um elefante. Monumental! De uma certa maneira, nascer é bem mais previsível do que morrer, pois é sempre do mesmo jeitão. Enquanto a morte, mais caprichosa, inventa formas.

O pessoal com cultura espiritual costuma dizer que a gente tem consciência do próprio nascimento. Só que depois esquece. As psicólogas, ao menos uma parte, afirmam que o primeiro olhar da mãe para o bebê influenciará a personalidade emocional do pimpolho. Leia-se: se será neurótico, paranóico, normalzinho.
Cá para mim, é pôr muito peso em cima da mãe.

Sou uma mulher que não pariu. O que sei sobre partos é o que outras contam. O tal instinto maternal - que até hoje ninguém provou ser natural ou cultural - eu dedico ao meu cachorro, o Chico. Ele nasceu de cesariana. É claro que não deve ter relação com a forma de nascimento, mas ele é o maior neura de quatro patas da Vila Madalena. Já sai de casa em posição de ataque.

Tenho a impressão que as histórias de parto vão se tornar cada vez mais iguais. Serão da modalidade parto excel. Planejadíssimos. Antes da criança nascer os pais já sabem o sexo, o peso, o comprimento, as prováveis alergias e o futuro perfil no Facebook. Fora os exames para checar se há defeito de fabricação ou desvio de septo nasal.

As velhas parteiras foram deixadas de lado. Os partos normais tornam-se excepcionais. Os jovens médicos agendam as cesarianas nos seus tablets. Escolhem não só o dia, mas principalmente a hora do vir à luz. Determinam: fulaninho nascerá 55 minutos antes ou depois do futebol na tv.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

11 comentários:

cida santos disse...

eu sou a aparecida que a fer fala que porque será que apareceu na vida?

margareth arilha disse...

oi Fe,

Eu nasci enroladinha, o cordao umbilical ali, uffa..
Deu tudo certo no final, mas naquele tempo, consta que era uma complicação..
Ainda mais porque a minha maezinha foi vitima da mais moderna teconologia da época: anestesia fortinha em parto normal.. sui generis, nao?
No final dos 50 começavam as mazelas do parto sem dor. Tecnologia importada dos states.. .. ulala.. deu no que deu.. só cesárias por este Brasil afora..

Bjos a você e à nossa ministra Eleonora Menicucci de Oliveira, que vai ter que olhar para tantas gravidezes e partos e abortos que vixe maria.. bjos

nair benedicto disse...

meu neto Miguel,qdo tinha 5 anos achava que no puta que pariu, o pariu é que era nome feio. o puta ele achava lindo.Então, qdo queria provocar
olhava os primos e lançava impávido: - sabe que tia Nanete te pariu?!!!Mãe, voce me pariu....etc.e ficava aborrecidissimo que não conseguia "parir" a surpresa, a rejeição desejada!!!

Silverio Crestana disse...

Muito bom Fernanda
Me fez lembrar que nasci com 4,8 kg, quarto filho entre nove. No dia choveu muito e não chegou a parteira em casa, isso no 1958...morava na roça, sem luz elétrica e não tinhamos automóvel. Parteira chegava de caminhão do leite! Minha mãe tentou fechar bem as pernas e esperar a parteira que viria no dia seguinte...só que na madrugada eu resolvi procurar a luz...estava todo enrolado no cordão umbilical, e azul de enforcado eu nasci morto. Meus país espíritas disseram: Recebemos a criatura mais pura e esse nenê já foi promovido espiritualmente para um mundo melhor...(há várias versões sobre essa história) mas o fato é que derrepente comecei a chorar e revivi!!!Botaram o nome de Silverio porque os nomes mais bonitos já tinham sido escolhido para os primeiros: Silvio, Silvana e Silvestre todos nascidos na selva!!meu apelido era nêgo...
Beijão Fer.

Anônimo disse...

Fê,
Gostei muito!
Eu nasci em casa, logico que há 62 anos atrás, em Mirassol (A Loira também nasceu lá)no interior de São Paulo, só com parteira.
Dizem minhas irmãs que na hora H, elas foram mandadas para a casa de uma vizinha, talvez para não precisarem atuar como auxiliares (rsrsrsr), já que quase tudo acontecia no mesmo ambiente.

Adorei a nova Ministra, nossa amiga Heleonora.
Muita sorte pra ela.

bjs, Lucinha

Anônimo disse...

Me lembro não. Mamãe me contou que quando eu nasci os soldados voltavam para o quartel, depois da parada de 7 de setembro de 1951. Minha astróloga me contou que eu nasci em virgem. Minha irmã mais velha (eu sou o caçula de 5) me disse que eu nasci muito chato porque ela é quem tinha que tomar conta de mim. O médico da mamãe deve ter achado ruim trabalhar no feriado. No mais, não me lembro mais de nada.
jsavio

dyvaleska disse...

Mais um texto delicioso,eu adoro perder a verdade mas não a história. e pra quem nunca pariu vc domina maravilhosamente o assunto! obrigada!

vovózinhapirigueti disse...

Eu nasci durante a enchente de 1941, um dilúvio de 50 dias dias de chuvas sem parar que assolou os Estado do Rio Grande do Sul. Meu marido, então, para caçoar de mim, me chamava de "abobadinha da enchente", um dito meio depreciativo que usamos no RS para pessoas dispersivas e, às vezes, com um comportamento "sui generis" Deve ser devido à enchente de 1941 que tenho este comportamento "sui generis";.

Anônimo disse...

AMEI NANDINHA ,A UNICA COISA QUE SEI DO MEU E QUE A MAMAE DISSE QUE FOI NO SABADO DE CARNAVAL DEPOIS DE 20 HORAS DE DOR NO HOSPITAL SAMARITANO DE BOTAFOGO ,SEGUNDO ELA POR ISSO QUE EU GOSTO DE CARNAVAL ,CORRIA ATRAS DOS BLOCOS (ME VALEU UMA SURRA NA MINHA INFANCIA) E OS OUTROS POMPEUS NUNCA CURTIRAM CARNAVAL ,E QUE O "MALUCO" DO MEU PAI SE INTERNOU COM ELA E FICOU APRENDENDO A TOCAR UMA FLAUTA QUE LEVOU COM ELE ENQUANTO ELA SE VIRAVA DE DOR , JA O MEU PARTO (SO TIVE 1 ) FOI TAO RAPIDO QUE O MEDICO FOI JANTAR DEPOIS QUE ME EXAMINOU E NIQUI ELE SAIU,A BOLSA QUEBROU E DAI 1 HORA A BIANCA TAVA NASCENDO COM O MEDICO DE PLANTAO ,ELES CHAMAM ESSE PARTO "SALTA CAROCO" .NAO SABIA ESSA DO ELEVADOR COM VOCE

Anônimo disse...

mais uma bola dentro, fernanda. obrigado pela leitura, abs. Fredo Sidarta.

Cecy Fernandes de Assis disse...

Fernanda, texto bem parido! Eu nasci Viva... Continuo.

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