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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

glamour da morte

Como você prefere morrer? Enforcado ou guilhotinado? Eletrocutado ou atirado do décimo quinto andar? Queimado ou afogado? Fuzilado ou apunhalado? Esmigalhado ou envenenado? Assassinado ou suicidado? Num terremoto ou num maremoto? Devagarinho ou ligeirinho? Escolher a maneira de morrer era um jogo que fazíamos, primos e irmãos, na infância.

Evidente que o prazer da brincadeira estava no fato de, para nós crianças, a morte ser apenas uma ideia maluca. Algo tão longínquo quanto uma montanha na Cochinchina. Tão imaterial quanto vestir-se de ar, ou alimentar-se de fogo. Intangível. Talvez por isso fosse tão excitante e lúdico escolher o modus operandi de fenecer.

Hoje, é límpido, eu gostaria de morrer de nada. Ou de morrer de vida. De seguir olhando continuadamente essa represa de Ibiúna - que no imenso silêncio berra sua beleza absoluta. É de frente para a magnificência dessa paisagem que escrevo esta crônica de tamanho mau gosto. Mas o tema se impôs e vamos a ele.

Quando as pessoas de bom coração dizem que a morte nos iguala, estão falando uma meia verdade. Tentando uma forma de consolo para a tremenda desigualdade intervivos. Pois se alguns nascem fadados a oportunidades em série. Outros, a grande maioria, terão que cavar uma única chance como mineiros arranhando rochas de uma mina de lata.

Sim, a morte absoluta nos iguala. Mas as maneiras de morrer carregam imaginários diferentes. Basta reparar: mortos numa queda de avião recebem uma aura de celebridade que é negada aos mortos de um acidente de ônibus. Os primeiros ganham fotos com música de fundo no Yotube, os segundos viram números de estatísticas. "Neste feriado morreram 69 pessoas nas estradas..."

Morrer na explosão de uma lancha perto de uma ilha grega é mais notável do que morrer numa canoa furada no rio Paraná. Morrer afogado na praia de Ipanema é mais elegante do que afogar-se no piscinão do Lago Norte em Brasília. Morrer escalando o Himalaia é dez vezes mais nobre do que enfartar subindo os degraus da Igreja da Penha.

Nas memórias da minha família, a circunstância da morte da tia-avó Zara sempre foi citada, ao contrário do fim das outra tias, porque Zarinha faleceu num hotel em Istambul. Morrer em uma suíte de hotel na exótica Istambul dá muito mais gasolina à imaginação do que receber a extrema-unção na enfermaria de um hospital.

Seja sincero. O que você prefere? Morrer no meio da Piazza San Marco em Veneza, ou numa curva da Estrada M'boi Mirim? É claro que o inverso é também verdadeiro. Para um veneziano será bem charmoso morrer em algum igarapé na Amazônia, isso garantirá mais referências póstumas de seus amigos e parentes.

Epa! Papinho besta! Melhor não preferir. Melhor deixar que o destino decida a forma e o local do nosso the end. Melhor sair da vida debaixo de cobertas quentinhas. Morrer no meio de um sonho, no qual uma fadinha, inteligente e delicada, nos oferece a poção agridoce da imortalidade. Evoé!

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

16 comentários:

Anônimo disse...

E que demore o tempo suficiente para sermos felizes. Jerônimo

Ricardo Sangiovanni disse...

Ótimo, Fernanda.
Eu cá nunca pensei no 'como', mas volta e meia me pego pensando no 'quando'. E fico contente sempre que concluo que, apesar de tudo, "poderia ser agora".

Caio Pompeu disse...

Já imaginei muito sobre o pós-morte. Primeiro queria ser enterrado na Estação Ecológica Juréia-Itatins (SP) pra vivar um pedaço de árvore da Mata Atlàntica. Depois achei que isso daria muito trabalho para quem fosse fazer o serviço e mudei de idéia: eu seria cremado e minha cinzas seriam jogadas na foz do rio na Barra do Una e assim eu me misturaria com a areia do fundo do mar. Hoje não sei... Talvez eu conclua que o melhor é ficar no tradicional cemitério, reunido com a família. Eita papo esquisito! Deixa isso pra lá! :oP

Anônimo disse...

Isso e coisas de vivos, os mortos no podem decidir onde serram jogados, mais no cemitério e mais fácil para a familia.. Tira essa boca para ala/SAFA!!!! Papo muito esquisito, Fernanda....um pouco mórbido..no e?
beijos. amiga
Kelva

Anônimo disse...

Uma vez um repórter perguntou ao Luis Fernando Veríssimo o que ele achava da morte. "Sou contra", foi a resposta.Partilho da mesma opinião.
Tomás

nil disse...

querida, fazia isso com os irmaos e primos tbm... o como eu nao sei, nao quero, mas, ja avisei! quero ser cremado e as cinzas colocadas em elegantes pingentes para os 2 irmaos e 3 irmas usarem...eles nao gostaram da ideia...enfim, deixarei em testamento...e que se cumpra...bjos

Vanda disse...

Linda reflexão, Fernanda! bj grande

companheira sasahara disse...

prefiro mergulhar no mar da Bahia, boiar mirando esse céu azul. Afinal, hoje é 2 de fevereiro. beijos

ELISA MARCONI disse...

Tenho uma tia avó queridíssima que morreu aos 99 anos, se ajeitando para dormir e dizendo para o filho que ficaria na posição que ela mesma escolhesse. Virou e morreu, assim. Eu quero morrer assim. Muito velha, mas clinicamente bem, depois de dar boa noite para meus filhos e netos, afofar o travesseiro, me cobrir, suspirar e fim. Ser digna e suave na morte, o que mais alguém pode desejar para a reta final? Lindo texto, Fernanda. Aliás, como sempre!

Anônimo disse...

Como eu quero morrer ? ... Difícil ... Não sei ... talvez, esquecendo ... por partes ,,, esquecendo ... esquecendo ... esquecendo o que mesmo ?
jsavio

Anônimo disse...

como eu gostaria de morrer virou letra de música: de susto, de bala ou vício....bjs. Paulo

Anônimo disse...

me faz lembrar de uma brincadeira sempre proposta por meu pai durante as vigens: o que tem mais no mundo, pelo ou folha? e se argumentássemos: pelo! ele defendia: folha! e vice-versa. me lembra também que já deve estar nas bancas a Planeta em que escrevo uma reportagem sobre a morte. Papo nada mórbido, ao contrário, cheio de vida! beijo grande da amiga de sempre, inês castilho

Anônimo disse...

gostaria de se pudesse morrer dormindo, assim não teria a dor de deixa-los, morremos todas as vezes que dormimos, diferença é que acordamos vivos .

Fernanda Pompeu disse...

Moçada querida, adorei os comentários. Eles dão gasolina para eu continuar escrevendo. Muitíssimo obrigada! E vamos que vamos driblando a danada!
Abraços, Fernanda.

Fernando Evangelista disse...

Mais um gol de letra, Fernanda. Mais um texto lindo. Parabéns!

Anônimo disse...

eu prefiro morrer aqui em antonina onde os mortos tambem vivem! só conhecendo para entender
bjos lu

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