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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Impressões aquáticas

Esta água deve estar muito cansada! Foi a conclusão a que cheguei em poucos minutos, observando o funcionamento do Canal do Panamá. É mais ou menos como uma escada gigantesca que os navios têm que subir ou descer. E fazer navio transitar por escadas não é uma tarefa simples.

Sentada num restaurante panorâmico em Miraflores, quase não consigo comer. Acompanhada de uma amiga tipo alma gêmea, conversar também não posso. Aquilo me ocupa totalmente.

A água transita sem parar entre comportas que abrem e fecham. Tudo em escala supermacro. Se o navio está subindo, a água precisa ser deslocada para encher a próxima eclusa, pra que ele continue flutuando. Na descida, é só abrir a comporta pra que a água possa fluir em quantidade suficiente. Funciona dia e noite, porque a demanda é enorme, agendada com muita antecedência. E o pedágio do canal é essencial para a economia do país.

Dadas todas as explicações para visitantes, não consigo tirar os olhos da água. Tenho uma sensação estranha, como uma dor por aquela água que é levada pra lá e pra cá, como se fosse um pacote pesado e enorme, desses que ninguém quer. Uma mala sem alça.

E essa água que anda o tempo todo, não pelo movimento natural do mar, mas pelo impulso das engenhocas inventadas pelos humanos, tem outra tarefa também pesadíssima: sustentar aqueles navios gigantes à tona, dentro dos quadrados apertados que são as eclusas. Eles ficam ali, paradinhos, esperando o quadrado se encher até o nível necessário, ou seja, até a água completar sua tarefa. Alguns marinheiros acenam pra nós, espectadores daquele estranho passeio.

É estranho mesmo. Todo mundo já ouviu falar do canal do Panamá, construído pra ligar o Atlântico ao Pacífico, um atalho aberto a ferro e fogo na faixa mais estreita da América Central. A gente ouve essas coisas e vai imaginando, mas não sabe bem o que esperar.

Cheguei lá, olhei e me deu uma pena enorme daquela água, fiquei engasgada. Tinha muita gente olhando. Não sei se alguém mais pensava nisto, porque assistiam a passagem dos navios, comiam, bebiam e conversavam com a maior naturalidade. Eu é que devo ser meio maluca mesmo, vendo essas coisas por aí.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

4 comentários:

Anônimo disse...

Com certeza, Junia, essas pessoas não estavam tão envolvidas sentimentalmente no vai e vem da água como você. É necessário uma sensibilidade que somente pessoas como você têm. Marina Ribeiro.

Shirley disse...

o que seria de nós sem essas pessoas malucas que ficam pensando no cansaço da água... saudade horrível de você!
Shirley

Carlos Augusto Medeiros disse...

Ah! Há outros atrativos igualmente significativos enquanto se esperam os processos que transitam de um lado a outro de água salgada. Ocorre que poucos tem desenvolvido as competências para se alcançar a criatividade como você. Mas fiquei pensando: e se água se sentir feliz com o regozijo mútuo em um frenético frenesi de crostas, óleos e gente feliz??? Bjs, Carlos.

Anônimo disse...

Junia,de maluca você não tem nada.O que prende a respiração da gente é a sensibilidade com que você escreve e descreve o sobe-desce da água carregando toneladas preciosas.
Continue,please.
Bjs da Mummy Dircim

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