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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Os Moinhos de Vento de Levy

Levy Fidelix foi o primeiro candidato a chegar ao debate da TV Cultura – realizado em setembro - com quase duas horas de antecedência. Adentrou os portões exibindo um caprichado sorriso sob o bigode preto retinto, aparentemente recém retocado de Grecim 2000. Ao contrário de seus adversários (excetuando-se, por motivos óbvios, Soninha), vestia um terno mal ajustado e uma gravata listrada, daquelas largas, de antigamente. Quando o embate começou, destilou os disparates de sempre, ainda que o famoso aerotrem tenha perdido espaço para um banco municipal. Na surreal hipótese de Levy tornar-se prefeito, o tal banco, de alguma maneira mágica, salvaria a cidade da iminente bancarrota.

Foram duas horas e meia de discursos enfadonhos e semi-afagos entre os oito candidatos, e faltavam menos de quinze minutos para meia-noite quando o mediador, Mario Sergio Conti, finalmente decretou o término do lenga-lenga. Apesar do adiantado da hora, a imprensa, que heroicamente lotava a plateia, subiu ao palco em busca de declarações. Aquela coisa de sempre: microfones, gravadores, câmeras e filmadoras disputando espaço para registrar uma declaração insossa qualquer.

Os mais assediados foram Haddad, Serra e Russomanno, líderes nas pesquisas. Mas todos, até os menos expressivos, como Gianazzi e Paulinho da Força, mereceram alguma atenção dos repórteres. Menos o pobre Levy. Nem sequer um microfonezinho se dispôs a dar voz às suas utopias tão ingênuas e divertidas.

Faz sentido, jornalisticamente. Levy não tem expressão e nunca, nas doze vezes em que se candidatou, foi eleito a coisa alguma. E, ao que parece, ainda não será dessa vez – ele vem oscilando de zero a um por cento nas pesquisas eleitorais.

Mas, diante da indiferença da mídia, o valente Levy não se abalou. Apoiou um cotovelo sobre o púlpito, o outro braço na cintura e sorriu, protegido pelo bigodão retinto. E ali ficou, altivo, pronto a esclarecer qualquer eventual dúvida sobre o aerotrem ou declamar, de cabeça, o número exato de avenidas, ruas, becos e alamedas da cidade de São Paulo. Pouca gente chegou a reparar na calva cintilante ou no peito estufado do candidato. Eu o fiz, por alguns instantes. E confesso que me senti tocado.

Enquanto o observava no palco, em meio à zoeira de flashes, declarações e repórteres afobados, tive a impressão de estar em contato com um outro tempo, quando as coisas eram mais simples. Um época em que não havia tantas pesquisas de opinião, marqueteiros, analistas, maquiadores, em que bigodes eram parte relevante do acervo estético masculino.

Mas os encantos do Levy iam além da nostalgia. Afinal, como há muito nos ensinaram Dom Quixote e Sancho Pança, há poucas coisas tão cativantes quanto um perdedor crônico com ilusões de grandeza. Vida longa, portanto, aos nanicos de personalidade, que temperam, com algum humor e lirismo, nossas enfadonhas eleições. Quanto ao meu voto? Bem, caro Levy, infelizmente ainda não foi dessa vez. Mas, continue tentando, quem sabe daqui a dois anos.

Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha. Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, colunista do NR, mantém a série A Fábrica de Brinquedos Pau-brasil

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