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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Profissão mesário

Com o nome “Verbo Sonoro”, esta coluna se propõe a falar, de modo geral, sobre música e outros assuntos culturais. Em época de eleições, no entanto, abrimos uma exceção: a trilha sonora de hoje é o agudo apito da urna eletrônica; aquele que foi repetido seguidamente nos tímpanos dos mesários das 8h às 17h no último domingo.

Para o eleitor, talvez exista até algum tipo de prazer ao ouvir o “barulhinho” após olhar para a foto do candidato e apertar “confirma”. Mas para quem passa o dia sentado ao lado da máquina – meu caso –, a coisa é um pouco diferente...

Mas sem problemas; este texto não pretende ser uma reclamação mimada por um dia a mais ou a menos de trabalho. Pretende apenas ser um breve relato do dia mais especial (profissionalmente falando) na vida destes cidadãos (os mesários) escolhidos, entre tantos, para uma função tão importante para a democracia.

PELA SEXTA VEZ 
Domingo, dia 7, primeiro turno das Eleições Municipais. Ainda cedo, na porta da sala de aula, um simpático eleitor me vê e diz: “Eu te conheço de algum lugar!”. E eu: “Sim senhor, daqui mesmo, das últimas cinco eleições...”.

Sim, já estive sentado naquela sala do colégio Objetivo, na rua Teodoro Sampaio, em 2004, 2005 (plebiscito), 2006, 2008, 2010 e, agora, em 2012. Nestas últimas duas, inclusive, como presidente de mesa. Como disse um amigo meu, fui reeleito para o cargo (provavelmente o único de presidência que terei na vida).

Cabe aqui um pequeno parênteses. Está definido em lei que a obrigatoriedade, para os convocados, é de trabalhar em apenas quatro eleições. Quando fui protestar da última convocação no cartório, tive a seguinte resposta da secretária: “Só temos registrado aqui que você trabalhou nas últimas três eleições. Nosso sistema foi trocado em 2005, talvez seja por isso”. E por fim: “Eu acredito em você, mas não há nada que eu possa fazer”.

O DIA DA FESTA
Bom, voltemos. Domingo, dia 7, às 6h da manhã, de pé, após uma noitada no Espaço das Américas para ver o show de 30 anos dos Titãs. Ao meu lado, aliás, ali na pista do show, estava o candidato Fernando Haddad, do PT, certamente tentando relaxar um pouco na véspera da votação. Ele cantava alto, como que perguntando sobre seu próprio futuro: “É cedo ou tarde demais pra dizer adeus, pra dizer jamais?”.

Sim, sim, domingo... Desço do carro na Teodoro e caminho por cima dos milhares de santinhos jogados pelas ruas. Entre os nomes espalhados pelo chão (é importante dizer), pude ver os de: Fátima Barreira, Souza Santos, Dr. Augusto, Ricardo Teixeira, Eduardo Sanazar, Chico Valente e Helena Cabeleireira. Nenhum deles foi eleito. Talvez o método de campanha de poluir as ruas com santinhos já não seja mais tão eficiente.

A partir daí, 7h da manhã na seção número 141, o mesmo processo de sempre: cumprimentar os fiscais; imprimir a zerésima – que comprova que a urna não está corrompida –; assinar os papeis; definir o horário de almoço etc. Sob a minha presidência, organizar o horário de almoço é uma das prioridades, pelo bem-estar geral dos mesários.

VOSSA EXCELÊNCIA, O ELEITOR
Ali naquela sala, aparece todo tipo de gente. Ser mesário --usando uma expressão bem clichê, mas verdadeira –, é uma experiência quase “antropológica”. Às 8h forma-se a primeira grande fila. Misturam-se os mais idosos com alguns jovens virados da balada, claramente “pilhados” pelo uso de aditivos. Praticam o melhor voto: o voto inconsciente.

Lá pelas 10h da manhã, como em todos os anos, chega o casal mais simpático daquela seção. Ela, nascida em 1917, com seus 95 anos; ele, de 1924, com 88 --fazem questão de votar, mesmo sem precisar. Quase 70 anos depois de ter que escolher entre Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes, em 1945, escolhem agora entre Serra, Haddad, Russomanno ou, sabe-se lá, Soninha e Giannazi.

Na seção 141, o tempo passa devagar. Faz falta uma televisãozinha para assistir o clássico Barça e Real Madrid. Entram e saem jovens e velhos, pais com crianças --algumas felizes, outras transtornadas por terem que entrar em uma sala de aula em pleno domingo--, senhores engravatados e, ainda nos dias de hoje, alguns poucos analfabetos.

APURAÇÃO
É curioso ver o jeito como os eleitores olham para os mesários. Um misto de pena (por não estarmos curtindo um churrasco de domingo) e respeito. Em geral, são simpáticos. “Parabéns para vocês”, disse um homem de uns 50 anos. E outro: “Tá legal aí garotada?”.

No fim do dia, às 17h, encerra-se a sessão. Nós, mesários, sempre ocupados em “servir” os eleitores, não podemos nos esquecer de votar antes disso. Mesário também vota! – no meu caso, na mesma sala em que trabalho.

Ao fim temos que imprimir cinco vias do Boletim de Urna, com o número de votos que cada candidato teve naquela seção. Resultado: 179 para Serra, 59 para Haddad, 38 para Chalita e menos de 20 para Russomanno. Em concordância absoluta com o mapa de votos da cidade divulgado mais tarde, onde as áreas ricas da cidade são território tucano.

No dia 7, portanto, nenhum incidente grave na sessão 141, no Colégio Objetivo da Teodoro Sampaio. Nenhum eleitor quebrando a urna, como aconteceu em outros lugares; nenhum candidato posando para fotos. Apenas os eleitores comuns – até hoje obrigados a votar – e nós, mesários – obrigados a trabalhar pela democracia.

Dia 28 tem mais. Mais apitinho agudo no ouvido.

Marcos Grinspum Ferraz, jornalista e saxofonista da banda Trupe Chá de Boldo mantém a coluna mensal Verbo Sonoro, sobre cultura e música. Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, também colunista do blog, especial para o texto

3 comentários:

Ricardo Sangiovanni disse...

Parabéns, Marcos. (Pelo relato.) Grande abraço!

Fernando Evangelista disse...

Bom demais!

Unknown disse...

Olá, qual o número da lei que diz que somente 4 vezes é obrigatório ser mesario?

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