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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Mania de presente

Algumas semanas atrás, sentado na plateia para assistir a um show de homenagem aos 30 anos do disco “Bloco na Rua”, de Sérgio Sampaio, ouvi um comentário rápido que muito me fez pensar. O DJ Zé Pedro, ali ao meu lado, disse: “Velho, as coisas estão acontecendo! A gente é que não dá conta de acompanhar tudo”. No palco estavam Juliano Gauche, Tatá Aeroplano e Gustavo Galo. Ao menos na minha interpretação, Zé Pedro se referia a uma efervescência cultural e criativa na cena musical do país, e ao tanto de bons discos e shows a que temos acesso diariamente. Que fique claro: isso não excluí, de modo algum, o tanto de coisas ruins que também proliferam por aí.

Chegando ao fim do ano, neste último texto de 2012 da coluna Verbo Sonoro, não me ocorreu assunto melhor para tratar do que essa efervescência musical, aproveitando para, junto a isso, combater qualquer mania de passado. Se vou, aqui, listar vários nomes que vem a cabeça, de gente que está produzindo música boa atualmente, este texto não se propõe a fazer nenhum tipo de ranking de “melhores discos do ano” – como é usual nesta época de Papai Noel. Primeiro, porque ninguém dá conta de acompanhar tudo o que surge na música brasileira, o que já torna falha qualquer lista que se proponha “total”. Mas mais do que isso, porque música não é competição, não é feita no ringue; não tem primeiro, segundo e terceiro lugares. Música agrega, soma e multiplica, mesmo que possam existir rivalidades (por vezes tolas) neste meio.

Este texto, de saída, corre riscos. Talvez soe muito otimista; talvez pareça uma “visão parcial” das coisas, já que conheço alguns dos músicos que cito. Bom, seja como for, garanto que não perdi o senso crítico! E, além disso, é importante ressaltar: o manual de redação do Nota de Rodapé (ainda não redigido no papel...) não nos define como um blog “neutro, plural e apartidário”. Sabe esse papo? Então, deixemos o (falso) discurso da neutralidade para a grande mídia...

Bom, voltando. As coisas estão acontecendo. As coisas estão sempre acontecendo, claro, e não estou querendo dizer que os tempos de hoje são melhores ou piores que os de ontem. E se isso parece óbvio, não é tanto assim. Me lembro de, na adolescência, ficar lamentando por não ter vivido nos anos 60, 70 e 80, para poder ter visto ao vivo todos aqueles músicos que eu ouvia aos 15 anos. Sim, eu ainda gostaria de tê-los visto, mas a verdade é que também me satisfaz, e muito, o que temos para ver e ouvir hoje. Como escreveu Gil em “Era Nova”: “Novo tempo sempre se inaugura (...) O tempo que você perdeu, perdeu, não volta”.

Entre shows e discos de trabalhos brasileiros recentes (de 2011 para cá), adentraram meus tímpanos neste ano, e agradaram muito, os sons de Karina Buhr, Céu, Pélico, Romulo Fróes, Passo Torto, Tatá Aeroplano, Bixiga 70, Tulipa Ruiz, Otto, Criolo, Emicida, Racionais, Metá Metá, Batuntã, Afroelectro, Peri Pane, Meno Del Picchia, Zafenate, Curumim, Gaby Amarantos, Los Sebosos Postizos, Herbert Vianna, Márcia Castro, Vintena Brasileira, Loungetude 46 e vários outros. Gente trabalhando com novas linguagens, se reapropriando de sonoridades ou dando continuidade a pesquisas antigas, mas sempre com ideias originais, conectadas aos nossos tempos de conectividade.

Então estamos no paraíso? Uhm, não é isso. Cada um que abra os ouvidos e tire suas conclusões. Só não deixem de abrir os ouvidos, isso é importante. Pois as coisas estão, sim, acontecendo.

Um parênteses aqui. Eu diria também que, de diferentes modos, é gente com muita coisa a dizer, ao contrário do que escreveu Pedro Alexandre Sanches em um texto recente na revista Caros Amigos. Falando sobre a cidade de São Paulo ele argumentou que os músicos do lado de lá do rio (na maioria rappers de origem humilde) tem muito a dizer, enquanto as pessoas do lado de cá do rio não. Pois bem, esse assunto renderia páginas, mas só digo, de passagem, que ter algo a dizer não é apenas fazer música de protesto, nem tem relação direta com classe social – isso seria uma visão muito rasa de arte.

E nesse ponto lembro de algo que Tom Zé me disse em entrevista nesse ano, quando perguntado sobre suas parcerias com Mallu Magalhães, Pélico, Emicida e Rodrigo Amarante: “Digamos que, assim como eu vi o tropicalismo apontar setas para o futuro – não só na profissão de músico, mas em todas as áreas –, eu vejo nesses músicos novos que chegaram perto de mim uma grande capacidade de crítica, de visão. Acho que quando estivermos diante da terceira revolução industrial, com todos os problemas que devem vir, a gente vai precisar no Brasil que os artistas produzam massa mental para fazer frente à essa novidade. Aí, quando eu vejo esses artistas novos, eu penso: pode ter jeito, porque esses caras são de foder! Quer dizer, acho que a música dará sua contribuição.”

Pois bem, aproveitando a referência a Tom Zé, entramos aqui em um outro aspecto fundamental disso que chamo de “efervescência atual”: ela não se refere nem a um único estilo musical, nem a uma geração “etária” específica, mas ao momento em que nós vivemos em sentido mais amplo. Ter 20 ou 80 anos não inclui ou exclui ninguém. E os novos trabalhos de Tom Zé, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gal Costa, por exemplo, mostram que modernidade nada tem a ver com idade. São CDs que dão passos à frente e nos instigam a pensar o futuro da música popular brasileira.

Esses trabalhos mostram também como é grande o diálogo entre as gerações. Além de Tom Zé, com os participantes que citei, basta pensar que a banda de Caetano é formada por três jovens (dois deles do grupo Do Amor), que Gal gravou com Kassin e Moreno Veloso e que vários dos novos artistas tem trazido participações de músicos com longa estrada em seus discos e shows: Tulipa com Lulu Santos, Pitanga em Pé de Amora com Mônica Salmaso, Garotas Suecas com Elza Soares, Karina Buhr com Edgar Scandurra, Peri Pane com Alzira E., O Terno com Abujamra, Léo Cavalcanti com Arnaldo Antunes, Cinco à Seco com Lenine e Chico César etc., etc., etc.

Alguns podem argumentar que sempre foi assim, que as gerações sempre dialogaram. Certamente, mas parece que, de fato, há uma notável abertura neste momento por parte dos músicos consagrados para olhar para artistas novos e independentes. E no caso atual, não parece haver por trás disso nenhum grande interesse comercial, o que poderia explicar esses tipos de relação; pois não são gravadoras ou empresários incentivando as parcerias; a troca parece, mesmo, artística.

Então estamos no paraíso? Uhm, não é isso. Cada um que abra os ouvidos e tire suas conclusões. Só não deixem de abrir os ouvidos, isso é importante. Pois as coisas estão, sim, acontecendo. E, mesmo que seja melhor não ser “maníaco”, prefiro ter “mania” de presente do que de passado. É hoje que estamos vivendo. Acabo o texto, assim, citando algumas palavras do grande Belchior, consagradas na voz de Elis Regina: “Você pode até dizer que eu tô por fora, ou então que eu tô inventando. Mas é você que ama o passado e que não vê, é você que ama o passado e que não vê, que o novo sempre vem”. E a música brasileira nos dá boas perspectivas de futuro: que venha 2013!


Marcos Grinspum Ferraz, jornalista e saxofonista da banda Trupe Chá de Boldo mantém a coluna mensal Verbo Sonoro, sobre cultura e música. Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, também colunista do blog, especial para o texto

2 comentários:

Carlos Conte disse...

boa, mumu e caco! viva as parcerias!

Anônimo disse...

Falou e disse. 2013: pode vir quente que estamos fervendo!

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