por Júnia Puglia Ilustração Fernando Vianna*
Dois filmes, diferentes no enredo, no contexto e no tempo retratado: o primeiro, “Argo”, é sobre um engenhoso e arriscadíssimo artifício para libertar diplomatas americanos refugiados na embaixada canadense em Teerã, no final dos anos setenta; o outro, “No”, conta a história da campanha pelo Não a Pinochet no Chile, quase dez anos depois da fuga dos americanos do Irã. Vi os dois há poucos dias.
Ambos falam de ditaduras, mas pertencem a um outro tempo, quando o mundo era comandado pela Guerra Fria, os Estados Unidos de um lado, a União Soviética do outro. O embate permanente entre esses dois polos sugava a energia política, e não deixava espaço para quase nada mais. A derrubada do Muro de Berlim, em 1989, que teve um fascinante efeito dominó demolidor de regimes totalitários, estreou uma nova etapa, recebida com júbilo e muita fé no futuro, rumo à liberdade e à democracia, finalmente!
O futuro é hoje. A opressão das ditaduras minguou bastante, ao menos aqui pelos nossos lados. Mas a tirania continua seduzindo, e há que manter corações e mentes bem abertos para reconhecê-la. A verdade é que muitos a amam e desejam, pois não suportam o peso de pensar com a própria cabeça e escolher a vida que querem viver. Dá trabalho e implica assumir responsabilidades.
De mim ela não se esconde. Vejo-a escancarada, tanto na atuação de figuras públicas quanto em manobras conservadoras, estas quase sempre inspiradas em crenças religiosas, que buscam tenazmente o retrocesso e o obscurantismo. Em que pese tudo o que pudemos avançar na compreensão da natureza humana e do valor da liberdade, da capacidade de escolha e da autonomia individual como motores da construção de um mundo mais justo – e não me refiro a nenhuma ideologia ou corrente política – os promotores do conservadorismo e do atraso insistem em que é aí mesmo que mora o perigo, e muita gente vai atrás.
Os exemplos estão por toda parte. De leve: quando um governante decide controlar o que os meios de comunicação publicam, está pura e simplesmente cerceando o acesso à informação, essencial para permitir que cada pessoa tire suas próprias conclusões sobre os fatos. E não sou ingênua a ponto de pensar que a mídia é imparcial ou neutra, muito longe disto, mas quem tenta controlá-la tampouco o é.
Diferentes grupos religiosos que se unem, de forma oportunista e insidiosa, para impedir a aprovação de leis que ampliam direitos individuais – como o aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo, por exemplo – estão decidindo e impondo previamente que escolhas todas as pessoas devem fazer, com base nas convicções de algumas. Havendo a possibilidade de optar, todas poderiam tranquilamente decidir segundo sua crença.
Assim como aprendemos a somar e subtrair, a ler e escrever, cozinhar, cuidar dos filhos, fabricar aviões e computadores e uma infinidade de coisas, podemos aprender e ensinar a ser livres e dispensar tutelas. Como em tudo o mais, a insistência, a prática e o incentivo são determinantes. Já pensou? Escolas de liberdade, igrejas de liberdade, famílias de liberdade, empresas de liberdade, governos de liberdade, esta “hermana muy hermosa”. Que traz, no mesmo pacote, a solidariedade e o bem comum. Estou mesmo romântica hoje.
* Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto
3 comentários:
Parabéns,Júnia,mais uma vez.Você colocou com clareza a idéia de liberdade. Concordo.Só que há,sempre, um perigo,especialmente num país muito amado,chamado Brasil :manipuladores da opinião pública, com seus poderosos chavões de liberdade, liberdade,transformarem a sonhada liberdade em desordem e confronto com opositores. O povo não conhece seus limites e corre sempre atrás do manobrista da turba.
Sua opinião é super-válida. Continue disseminando verdades tão preciosas.
KISSES from Mummy Dircim
Adoro te ter romântica, doce amiga!
Noutro dia li alguma coisa que dizia que o autoritarismo de hoje é o próprio capitalismo, ditando as regras do mercado, investindo contra o público e contra as liberdades de escolha, impondo comportamentos etc. Mesmo os religiosos que vc cita na verdade buscam nada mais que o lucro desenfreado e o dinheiro fácil dos desavisados. Triste e desesperançoso. Ainda bem que mesmo com tudo isso, mantemos nossas posições e atitudes libertárias. Assim como a Solange, também quero ir a Escola de Liberdade contigo.
Beijos enormes!
Shirley
Mestra e Doutora Júnia!!!! Tem jeito de me matricular na sua escola da vida??? Grannnnnde abraço. Te espero em Piri! Olga
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