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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

É o poder, Maria!


por Fernanda Pompeu  Ilustração de Carvall*
 

Estou numa idade curiosa. Uma espécie de adolescência da velhice. Muito longe da juventude e muito perto da difusa Terceira Idade. Se for verdade que o inverno é a velhice, digamos que me encontro no outono. Época em que caem as folhas, os seios, a pele.

Época também em que há muita matéria de vida a ser lembrada e narrada. O fato é que me pego lembrando de cada coisa! Exemplos, do sabor do Grapette, da ditadura militar, do Sidney Miller: "Segue em frente, violeiro, que lhe dou a garantia de que alguém passou primeiro na procura da alegria."

E lembro do meu grupo escolar. Lá tive lições permanentes. A mais importante delas foi a de que mulheres não tinham importância. Só dava homem: Pedro Álvares Cabral, Mem de Sá, Araribóia, Zumbi dos Palmares. Eu matutava: cadê nós?

no ginásio (era assim que se chamava), tomei coragem e perguntei para o professor de história: "Onde diabo estavam as mulheres na história do país?". Um colega espertinho respondeu: "Nas cozinhas."

Hoje tenho certeza que nós – descendentes das cozinheiras – até que ousamos bastante. Sem nenhum passado reconhecido ou glorioso fomos muito longe. Mas não é suficiente. Porque ninguém é feito só do presente. E o futuro é igual a comer ar.

Vamos precisar de escavadeiras para trazer à superfície nomes e histórias de mulheres que fizeram muitas arruaças e mudanças sociais. Negras e brancas que realizaram e não levaram crédito nenhum.

Aqui conto uma passagem. Em 2004, escrevi uma série de perfis de escritores hispano-americanos para o suplemento Fim de Semana da Gazeta Mercantil – jornal que fechou e não me pagou as duas últimas colaborações.

Eu tinha carta branca para escolher o escritor que me desse na telha. Escrevi sobre Juan Rulfo, Augusto Monterroso, Pablo Neruda, Julio Cortázar, entre outros. Não encarei nenhuma escritora.

Deixei de fora Alfonsina Storni, Rosario Castelanos, Gabriela Mistral, entre muitas outras. Sabe por quê? Porque, há nove anos, era trabalhoso encontrar boas informações sobre elas no Google. Eu dispunha de um dia para pôr no papel oito mil caracteres com espaço.

Ao menos essa é a desculpa racional que dou para mim mesma. Não quero crer que a falta de modelos femininos na minha infância tenha alguma relação com a minha omissão no caderno Fim de Semana.

Mas foram ocasião e oportunidade perdidas. Para não afundar no mantra minha culpa, minha máxima culpa, vou comprar uma pá. Oxalá, ainda terei tempo de escavar muitas histórias de mulheres.


* webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, fernanda pompeu escreve às quintas. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

Um comentário:

Tito Glasser disse...

Saudações Fernanda e as mulheres que revolucionam. A primeira mulher revolucionária que tive contato foi a minha mãe, que enfrentou o mundo para cuidar de seus dois filhos sozinha. Posso dizer que utilizou uma grande pá para cavar nos trajetos afim de conquistar a vitória, ou melhor, sobrevivência.

Agradeço a ela primeiramente e a todas as mulheres que são inspiração para tantos homens.

Um grande abraço e até breve.

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