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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Cadê a minha vaga?



por Júnia Puglia       ilustração Fernando Vianna*

Quando alguém ataca de “no meu tempo” não era assim, era assado, tudo era muito melhor etc., me dá uma preguiça danada. Mesmo que a pessoa seja um tanto mais velha que eu, sempre acho que o tempo de quem está vivo é agora. Se, no entanto, disser que “trinta anos atrás os computadores não dominavam a nossa rotina como hoje” e outras constatações sobre a inevitável passagem do tempo, vou concordar com muitas delas.

Um das boas que têm frequentado as conversas Brasil afora é “no meu tempo, empregada doméstica se vestia de empregada, não tirava férias e nem pensava em viajar de avião”. Outra: “no meu tempo, era fácil estacionar; hoje em dia, está impossível encontrar vaga, depois que todo mundo comprou carro em sessenta prestações”. Mais uma: “antigamente, só vinha gente bonita nesse shopping; agora, dá de tudo”. É, minha gente, os últimos anos viraram nosso mundinho classe média de pernas pro ar.

Quinze anos atrás, as filas de check-in nos aeroportos, bem como as salas de embarque e os aviões, eram territórios demarcados de homens brancos engravatados, quase sempre viajando a trabalho. Éramos poucas mulheres, umas gatas pingadas, as exceções que confirmavam a regra. Aeroporto não era lugar de multidão e caos, pois cabíamos todos, e éramos quase sempre bem adestrados.

Neste nosso tempo de hoje, seu, meu e de todo mundo que respira, as cartas se embaralharam mesmo. Sabe por que? Os pobres e incultos de ontem estão comendo, estudando e acessando informação como nunca. Em consequência, a miséria vai ficando pra trás, num caminho sem volta dos mais virtuosos, que tenho o privilégio de acompanhar no meu tempo. Se nenhuma catástrofe política, econômica, institucional ou natural se interpuser, as próximas gerações terão da miséria e das privações apenas uma vaga lembrança.

Sua vaga de estacionamento sumiu? Seu assento fica bem no meio daquele animado grupo de cinquentonas que pisa num avião pela primeira vez, rumo a Lisboa, e com enorme dificuldade encontra seus lugares e acomoda dezenas de malas, bolsas e sacolas? Ficou chocado com a quantidade de formandos negros no curso de arquitetura do seu filho? Trate de se acostumar e encarar com bom humor, porque aquele cada um no seu quadrado “de antes” já era, e vem muito mais por aí. Este é o nosso tempo, que, da minha parte, é mais do que bem-vindo.

* Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto

5 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Quando alguém se refere a "naquele tempo.....", sempre me remeto ao tempo e lugar da exclusão social. De fato, o incômodo está em dividir lugar com outros. Outros humanos, outros gostos, outras músicas (?). A diversidade é senhora da democracia. Viva o sonho!
Abraços,
Carlos

Anônimo disse...

Pois no meu tempo não era assim mesmoooo !!! Hoje tenho certa dificuldade de adaptação a esses novos tempos com seu excesso de tecnologia e informações que entopem a cabeça do que ainda teimam em aprender as quatro operações básicas da matemática.Basta o menininho acessar a maquininha e....pronto.
Minha vaga no estacionamento ? Excesso de carros,nada bem-vindo,pois nossas ruas não comportam.Quando muito acho um cantinho na vaga de idoso, nem sempre respeitada pelos jovens donos da alta tecnologia.
Respeito os tempos modernos,sim, o desenvolvimento da aldeia global mas, onde fica o tempo dedicado à leitura saudável, ao bom convívio social, se todo mundo está ocupado nas
maquininhas infernais ?
BJS DA MUMMY DIRCIM

Anônimo disse...

Esqueceu de uma coisa, no fim a culpa sempre será do Lula e da dilma rs.

ótimo texto

Anônimo disse...

Mas tem coisas também que só se viam 'naquele tempo', como respeito aos direitos do próximo, um bom dia sem má vontade no elevador, entre outros. Ao mesmo tempo que o Brasil 'avançou' no quesito acesso à informação, tecnologia e bens de consumo, tem outros quesitos que parecem que estamos regredindo cada dia mais.

Carlos Conte disse...

bom texto. mas concordo em parte. não sou tão otimista assim: ainda há muitos pobres e miseráveis neste país, apesar dos programas sociais dos últimos governos. há uma inflação de diplomas universitários? mas e a qualidade do ensino?...

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