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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Serenata



por Júnia Puglia     ilustração Fernando Vianna*

Será que ele me ama mesmo, assim bem muito, do jeito que eu quero e preciso tanto?

Fingindo não repetir clichês, será que os meus filhos sentem o que eu sinto por eles e apreciam meu jeito metido a não-clichê de ser mãe?

Esses textos que eu escrevo porque preciso, e ficam dormindo no computador, será que algum dia vão acordar e sair por aí?

Quero muito me livrar do sufoco de trabalhar tanto, dessas viagens que se multiplicam, de avião e espera em aeroporto, de quarto e cardápio de hotel, de tanta reunião, seminário, plano estratégico e relatório, mas como vai ficar a vida sem este compromisso essencial? Quem serei eu após essa carreira farta de sobrenomes?

Como será ter cinquenta anos? E sessenta? Como lidar com reuniões de família, e por que resisto tanto a elas? E a morte, que não pergunta nada, chega e pronto; como será morrer? E tudo misturado, rodando na cabeça de madrugada em alta rotação, dentro daquela batedeira sem botão?

Os cinquenta e o fim da carreira chegaram e se foram com surpreendente suavidade e gosto de café com bolo de canela. Continuo viva, virei blogueira e serei avó postiça em breve. Confirmaram-me, no furdunço do Facebook, que a paixão passa, o amor lava e cozinha. O tempo fica rindo de mim pelos cantos, de tão solto que o deixo.

Mergulhei fundo no infinito lago de dentro. Guiada por uma lanterna em mãos hábeis e meio mágicas, nadei, nadei e nadei. O bate-estaca dos miolos nas madrugadas foi serenando, serenando, serenou.

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. 

6 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Júnia! Suave e profundo! Gosto de música de embalar:
"Sereno eu caio, eu caio, Sereno deixa cair.
Sereno da madrugada não deixou meu bem dormir.
Minha vida ai, ai, ai / é um barquinho ai, ai, ai...
Navegando sem leme e sem luz.
Quem me dera, ai, ai, ai / Se eu tivesse, ai, ai, ai...
O farol de seus olhos azuis."
Abração!
(Ana)Carol(Mendes) :-)

Anônimo disse...

Júnia,
Seus textos também me dão o alívio de saber que não são é só dentro da minha cabeças que acontecem essas coisas! Ontem à noite, cheguei em casa tarde e, para conseguir arrumar a malinha de ir para a natação cedinho, liguei a TV; estava passando A Grande Família (acho que o nome é este...) e o personagem Lineu estava com a síndrome dos 60, pensando todas essas coisas. Eu achei engraçado, porque estou na mesma fase, mas muitas dessas encrencas já resolvi dentro de mim, mas tive pena de ter dormido sem conseguir ver o final. Beijão!! FF

Anônimo disse...

Adorei seu texto e as reflexões são pertinentes e convidativas ! Gostaria muito de conhecer os demais textos que estão dormindo no seu computador. Espero que despertem logo e possam ser degustados completamente.
Abraços,
Arnaldo

Anônimo disse...

A serenata tocou as cordas do meu coração ! Estão vibrando ao som do sereno das madrugadas mal dormidas, da idas e vindas pelo mundo,de um coração cheio de amor a ser distribuido.
Junia, nota mil.Acorde seu computador e envie-nos outras mensagens desse jaez.
Bjs da Mummy Dircim

Anônimo disse...

A serenata tocou as cordas do meu coração. Estão vibrando ! Oensar em Júnia serena, calminha, tranquila após uma vida de excesso de movimentação,só pode trazer serenidade à Mummy.Júnia serena,deixe o sereno continuar caindo e inundando nossas almas de emoções tão preciosas.
Beijos da Mummy













Anônimo disse...

Como eu sempre fui super ativa ( e não hiperativa), não consegui reconhecer a serenidade quando ela começou a querer entrar na minha vida junto com os 50. Achei que estava tendo "ataques de bananice" por não mais revidar tudo com tanta veemência e rapidez. Quem me reconheceu a serenidade foi meu marido que passou a respirar mais aliviado. Hoje a reconheço e a quero, me faz super bem.
Delicioso e preciso texto. Beijos, Márcia Ester

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