.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Desvio lusitano



por Júnia Puglia     ilustração Fernando Vianna*

Depois de vários dias de viagem, tudo o que eu queria era voltar pra casa, mas no meu caminho havia uma greve de controladores de voo. Nenhum avião circulava pelo espaço aéreo da Bélgica durante a greve, que inicialmente não tinha duração prevista, mas acabou sendo de apenas oito horas. Só que naquele momento ninguém sabia disso.

A empresa aérea decidiu, então, nos mandar de ônibus para o aeroporto francês mais próximo, e de lá para o nosso destino, Lisboa, de avião. Essa operação demorou muito mais do que o tempo do voo cancelado, e eu perdi minha conexão de Lisboa para Brasília. Raiva, frustração e o estresse de um dia que parecia não ter fim. Até que, noite bem entrada, cheguei a um hotel designado pela companhia. Só poderia seguir viagem na noite seguinte.

Ao acordar, de manhã, e olhar pela janela, perdi o fôlego. Estava num andar muito alto, de frente para o Tejo, com uma ampla vista da cidade. Era inevitável pensar no “inevitável” e na opção de relaxar e gozar. Fui nessa.

Peguei um táxi rumo à Praça do Comércio, que, na minha memória de mais de dez anos atrás, era enorme e muito linda. O sol e o céu estavam indecentes, e se completavam com uma temperatura perfeita de início de outono. Fiquei pensando na inquietação e na ousadia que fizeram com que, há mais de quinhentos anos, uns malucos lusitanos se lançassem dali pelo mar em busca do resto do mundo, e cheguei à conclusão de que não há feito humano que se compare aos descobrimentos daqueles tempos, para mal e para bem, incluindo a exploração do espaço sideral.

Perambulei pela Rua Augusta, pelas lojas lotadas de turistas, quase todos brasileiros ou russos, cheguei à Praça da Figueira, almocei sardinhas assadas divinas numa tasca mais que popular, observando e sentindo ao máximo o lugar e a adorável gente portuguesa.

Barriga cheia, subi a Rua da Madalena. Lá no alto, virei à esquerda e me enfiei pelo labirinto da Alfama. Quando mais eu andava, mais beleza encontrava. Não sei se por viver numa cidade caçula do mundo, muito plana e onde tudo tem menos de cinquenta anos, os ângulos e a perspectiva proporcionados pelas ladeiras e pelos belos edifícios centenários me enchiam os olhos de tal forma, que transbordava. Ali, tudo era puro prazer.

Passei por restaurantes supersofisticados, ateliês de arte, muitos edifícios protegidos pelo patrimônio histórico, e fui andando. De repente, uma placa indicando “Museu Teatro Romano”. Incrédula, visitei escavações que vão aos poucos revelando um teatro completo, datado do final do primeiro século da era cristã. Lá dentro, além do nó na garganta pelo que encontrei, fui assaltada pela mais deslumbrante vista do rio e da parte baixa da cidade.

Consegui voltar à rua e subir mais um pouco, até o Largo de São Martinho, onde tomei um café e um tempo para digerir o que tinha acabado de ver e sentir.

Caminhei mais um tanto pelos becos e ruelas do bairro, até que tive que tomar um táxi de volta ao hotel, e dali para o aeroporto. Decolei de Lisboa leve, feliz e emocionada com a visita inesperada e tão profundamente prazerosa. Bendita greve! Não sabia a quem agradecer. Provavelmente, a algum líder sindical belga briguento e mal humorado.

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

Um comentário:

Martina disse...

Lisboa, Lisboa... Que saudade! Dá pra ver a cidade ao ler o seu texto... Uma bica e um paste de Belém, se faz favor!

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics