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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

TV de LSD


por Carlos Conte  ilustração Caco Bressane*

 Deu nos reclames do plim-plim:

– TV LCD da Sony, modelo Bravia, KDL, 40 polegadas, FULL HD, USB Play e Rádio FM! Apenas 1599 reais à vista. Não é muito barato?...

Virei para o Galo e perguntei se ele gostaria de ter uma TV igual à da propaganda.

– Cara, quer saber? Pra mim tanto faz. Parabólica, a cabo, o escambau. TV eu uso é pra dormir, Carlão. Não tem calmante melhor. Um calmante eletrônico.

O Peri é outro que não liga pra televisão. Na sala, prefere rodar um disco do Chopin, Lou Reed ou a trilha do filme Laranja Mecânica. Pra TV não está nem aí. Se bem que, não faz dois meses, assistimos juntos à cena da novela das oito em que a Claudia Raia aplica uma injeção letal no pescoço da amiga que tinha acabado de descobrir o esquema do tráfico de mulheres.

– E a câmera de segurança do elevador?! – levantou o Peri, indignado. – E a câmera do elevador, bicho?! Que prédio hoje em dia não tem câmera no elevador? Não é possível... Esse roteirista tá maluco, cara! Foi o bastante para desligarmos a TV.

Aqui em casa é assim: temos uma relação de amor e ódio com a nossa Semp Toshiba, presente do tio Paulo, pai do Cabelo. Aliás, foi o Cabelo que, na tentativa de consertá-la, afundou pra sempre o botão ON/OFF, e desde então, pra que a TV não fique o tempo inteira ligada, é preciso desplugar o fio da tomada; para ligá-la, pluga-se o fio novamente. E vamos nesta toada: reclamando do chiado, xingando, batendo, coitada!, só falta fazer que nem o personagem Jacarandá, do João Antônio, que possuído de ódio pela propaganda do banco enfiou um balaço de 38 bem no meio da tela.

Já trocamos de antena duas vezes para ver se melhorava. Bombril. Tapinha nas costas, pra não magoar. Que nada! Parece que não tem mais jeito.

Mas a verdade é que gostamos dela. Apesar de todos os seus defeitos; ora, quem não os tem? Amparada por uma pilha de Barsas, que são como tijolos, olho pra ela, orgulhoso, e digo: é a nossa TV! Apesar do seu chiado, é assim que gostamos dela. Também, não temos grandes desejos televisivos – mais de 250 canais, alguns só de filme, outros de desenho animado, notícias 24 horas e tudo o mais. Como nossa necessidade televisa é, digamos, modesta, vamos deixando como está. Em 2 anos, confesso que aprendi até a respeitá-la. Corajosamente sobrevive em meio à ânsia disseminada pela tela de plasma, entrada HDMI, imagem e som digitais e todo o aparato do cacete a quatro dos aparelhos televisores hoje em dia. Sabe que prefiro minha TV de LSD?

Até o Diegão, que tem TV a cabo em casa, de vez em quando dispensa o som digital e a mais alta definição pra assistir futebol aqui em casa. Segundo o Diegão, ver jogo aqui é mais emocionante. Quanto pior a imagem, mais difíceis as divididas, mais incertas as patadas da intermediária, mais confusos os escanteios. Mais sofrido, portanto mais Corinthians. 44 jogadores embaralhados em campo, dois juízes, um correndo atrás do outro. Nem a pau que dá pra enxergar o tempo de jogo, que fica na parte superior da tela. Vai na intuição.

Mas, por outro lado, não dá pra enxergar nitidamente os peitões da Cristiane Pelajo, nem o sorriso que o Peri adora da Letícia Spiller, nem as curvas da Camila Pitanga, unanimidade. Pra compensar somos poupados da cara de agente da CIA do Willian Waak. No lugar do rosto, máscaras sobrepostas, uma mistura psicodélica, ou uma forma monstruosa. Em vez dos números do último pregão da Bolsa, valores oníricos, ininteligíveis, ideogramas caleidoscópicos, signos fantásticos, lúgubres, indecifráveis.

Diante da telinha, em estado vegetativo, ao qual a droga nos induziu, alguém aciona a função MUDO e abraça o violão. O Peri faz questão que a famiglia jante toda junta. Depois, Gaisnburg na vitrola, Bony and Clyde, porque o aparelho de CD tá zoado faz tempo. Até que alguém, enfim, abre uma Brahma e despluga a TV da tomada, antes do Corujão.


* Carlos Conte, sociólogo e cronista, mantém a coluna mensal Casa de Loucos, uma homenagem aos mestres João Antônio e Lima Barreto. Ilustração de Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, especial para o texto

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