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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Democratizar a mídia não é tolice

por Pedro Mox*

Em meio à visita do papa, frio e neve em Santa Catarina, volta do Brasileirão, eis que leio o título do editorial do Diário Catarinense, do grupo RBS, salvo engano dia 15 do último mês: “democratização da mídia?”. Atentei ao texto.

A primeira frase já assusta: “Embora não seja uma demanda do país, mas de grupos minoritários movidos por ideologias fundamentadas no radicalismo, a chamada democratização da mídia tem aparecido secundariamente na pauta das manifestações que mobilizaram os brasileiros”. A conclusão mais óbvia e ululante é: manifestação que me interessa, ok; manifestação que não me agrada, não pode.

De fato é notável o contorno criado pela grande mídia desde os primeiros protestos em SP (os que não eram por vinte centavos) até a invenção do “gigante desperto”. Enquanto ela pôde ser utilizada como jogo político, tudo certo; quando pautou um tema deveras relevante – e nem um pouco interessante aos donos de jornal – passou a ser desacreditada e esquecida.

O próprio uso do radical pretende passar ideia, pejorativa, de alguém cego por sua crença. É importante, todavia, diferenciar o sectário – este sim adequado à descrição anterior – do radical, ou seja, que visa transformar pela raiz, por completo. E a mídia brasileira, sem dúvidas, merece uma reforma radical.

O texto segue na mesma balela de sempre, a tão enaltecida “liberdade de expressão” - que na prática é a liberdade de expressão do dono do jornal – e chega ao cinismo de dizer que “só quem não aceita conviver com críticas é que pode pretender a tutela sobre os meios de comunicação e da imprensa, que já são submetidos diariamente ao mais eficiente dos controles, a escolha livre do público.

Creio não ser a livre escolha ao meio de comunicação um dos mais eficientes métodos de controle, dado o festival de bobagens enfiado goela abaixo em qualquer um que assista televisão, seja na parte jornalística quanto o do entretenimento. Pior: cada vez mais e de maneira mais explícita, jornalismo e entretenimento se confundem, como se confundem também informação com propaganda e, neste caso específico, uma evidente propaganda ideológica.

Com alguns números, o texto argumenta que não há falta de pluralismo na mídia brasileira, visto existem milhares de publicações, sites, canais. E completa: “sob o falso pretexto de que os meios de comunicação são dominados por poucas empresas proprietárias que não refletiriam a pluralidade e a diversidade da sociedade, determinados fóruns e segmentos de partidos políticos pressionam governo e Congresso pela aprovação de uma lei com potencial para impor restrições à liberdade de informação”.

Entretanto, há de se ponderar uma série de questões. Mesmo com a grande quantidade de veículos, grande parte deles pertence a mesma empresa. A RBS, por exemplo, segundo o site Donos da Mídia, é a terceira maior detentora direta de veículos do país, com 18 emissoras de televisão, 21 rádios FM, cinco AM e oito jornais. Diante disso, é lógico que o editorial do Diário Catarinense seja contra a democratização dos meios de comunicação.

Quem se preocupa com a regulamentação da mídia não são fóruns ou clubes do bolinha, mas a sociedade. Pesquisa do Instituto Sensus, encomendada pela Federação Nacional dos Jornalistas, mostrou que 75% dos brasileiros são favoráveis à criação do Conselho Federal dos Jornalistas. Outra pesquisa, o “Perfil do Jornalista Brasileiro”, divulgada em abril último, também aponta que três quartos da categoria apóia a criação do órgão. Se todo ofício conta com alguma regulamentação, por que seria a imprensa detentora desta “aura de honra e justiça”?

A opinião do jornal, no editorial, de fato é o espaço para tal. Preocupa-me, contudo, a afirmação que discussões sobre democratização da mídia são tolices, fruto de desmiolados sem mais o que fazer; quando ela é de extrema relevância para país. Quiçá por isto, tão temida e combatida.

*Pedro Mox, jornalista e fotógrafo, especial para o NR

2 comentários:

neto disse...

Mais um bom texto, Pedro.

eu faria uma ressalva para a sua conclusão, digamos. Para criticar o pressuposto da grande mídia, de que o interesse em "democratizar" a mídia seria de grupos minoritários, tu aposta em uma pesquisa que aponta para a maior profissionalização do jornalismo/jornalistas.
Ou seja, o texto tira o debate de um corporativismo (o da mídia padrão) e o lança para outro (o do jornalismo profissional).
Evidentemente, não se trata de desrespeito a este profissão por minha parte, mas se pretendemos afirmar que a difusão de ideias, informações e debates interessam a sociedade como um todo, precisamos falar do CMI, das Rádios e TV's Livres, etc. etc. etc. e ainda criticar o velho pintado de novo, que no momento é a Mídia NINJA.
[ http://passapalavra.info/2013/08/82548 ]

saudações!
abraços
Neto

Marcelo Migliaccio disse...

A mídia tentou fazer crer que havia uma revolta popular contra o PT. Não conseguiu, porque as verbas da saúde, por exemplo, somem nos municípios. Aí a Dilma respondeu com o Mais Médicos, que a mídia agora detona. E sobre o escândalo no metrô e nos trens dos governos tucanos em SP? Disso pouco se fala nas empresas de comunicação privadas.

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