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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Um lugar pra chamar de seu



por Júnia Puglia     ilustração Fernando Vianna*

Quem já passou dos cinquenta sabe como era. A partir dos doze, treze anos, a gente começava a sonhar com o dia de completar dezoito. A idade da libertação, da autonomia, da decisão sobre a própria vida. Para alguns – principalmente algumas – significava a possibilidade de se casar sem depender da autorização dos pais e ter a própria casa. Mesmo que não fosse por uma grande paixão, ou que às vezes o casamento se revelasse uma bela roubada, mas era, para a grande maioria das moças, a única maneira de sair de casa, muito aguardada.

Havia também a turma que ansiava por aquele momento pela possibilidade de estudar em outra cidade, longe da família, quando a condição familiar permitia, ou de arranjar um emprego e se tornar independente, palavra mágica para muita gente da minha geração, inclusive eu. O importante era buscar um caminho de saída do controle dos pais, que sempre resistiam. Às vezes demorava muito, ou nem acontecia, causando muita frustração e amargura.

Saí aos vinte e um, para morar e trabalhar em outra cidade. Grana apertada, trabalho novo, o “conjugado” dividido com uma amiga, depois com outra, e tome desafios, sustos, tarefas inadiáveis para virar gente grande. A maturidade não acontece de graça. Dói e cansa muito. Quando olho para trás, os percalços, que não foram poucos, estão lá, guardados na memória, e junto com eles a incrível sensação de tê-los vivido, de maneira que hoje possam ser olhados com lentes meio desfocadas, generosas. Não os troco por nada.

Não são mais assim as famílias, nem os filhos, nem o mundo adulto. Parece que os pais embarcaram numa viagem alucinada de compensar suas crias pela dureza da vida. Como se fosse possível. Hoje temos mais dinheiro e muito mais recursos que facilitam as coisas, e mesmo assim as pessoas acreditam que têm o dever de entregar tudo esmiuçado aos filhos, negando-lhes a oportunidade única de tomar decisões cruciais, arriscar e encarar as consequências. Está-se apagando o sentido de construir uma trajetória, conquistar um lugar pra chamar de seu. Este tem que estar pronto e muito bem equipado.

Aceitar empregos menores, começar por baixo, nem pensar. Morar apertado, sem empregada, tendo que montar a própria casa aos poucos, andar de ônibus, tudo isto soa como uma humilhação e uma maldade com os mauricinhos e patricinhas cultivados a smartphone e conexão internet de alta velocidade, entre muitos outros mimos. Mesmo nas famílias com menos recursos, noto uma tendência generalizada de poupar os jovens, tratá-los como coitados ou como bibelôs, sustentá-los indefinidamente, sem colocar um limite para que busquem a autonomia e entrem para a vida adulta.

Que o afeto, o acolhimento e o apoio dos pais são essenciais, disto não tenho um segundo de dúvida, mas poupar os jovens de lidar com a ralação da vida não me parece um bom caminho. Acho injusto com eles mesmos. Porque, se não for por outra razão, é bom não esquecer que pais e mães não duram para sempre.

* * * * *

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Coração leve. Você saiu ,levada pela então chamada rebeldia dos filhos, lutou sozinha, atravessou os labirintos da vida longe dos pais e venceu. Sua batalha tem o sabor de vitória, conquista hoje esquecida pelas famílias que cultivam
bibelôs em redomas de vidro frágil.
Beijos da Mummy Dircim

Elezer Jr. disse...

Junia, obrigado por uma expressão tão singela e acurada do que se passa com muitos filhos de hoje. É verdade que a nossa geração (e muitas anteriores) teve que sair de casa e aprender a construir a própria vida - e uns com mais esforço próprio e resistência dos pais, como você bem disse. Mas também é verdade que não apenas ninguém morreu, como tenho certeza de que cada um de nós aprendeu lições e acumulou experiências insubstituíveis.

No nosso caso, aplicamos os mesmos princípios aos nossos filhos, e os resultados falam por si mesmos. Nessa busca de aperfeiçoamento e crescimento, eles acertaram e erraram, assim como nós. E quando foi necessário, tivemos o privilégio de socorrê-los, assim como também fomos socorridos. Não consigo imaginar um processo mais eficiente de transmitir amadurecimento, de geração a geração.

Anônimo disse...

Nossa, Ju! Vc abordou um assunto que me angustia pra caramba: os inúmeros mauricinhos e patricinhas protegidos, bancados e estimulados pelos papais e mamães (conheço alguns/mas). Aqueles que confundem ônibus com òvnis e fogão com artefatos explosivos e acham que a Disney e Aspen são extensão de suas casas.
A gente ralou, batalhou e até que deu certinho, né? Bjs
Terê

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