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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sem imposto

por Júnia Puglia     ilustração Fernando Vianna*

Por que preciso tanto que gostem de mim? Que gostem de mim eu quero, valorizo, aprecio, ignoro, desprezo, lembro, esqueço, guardo, incentivo, desencorajo, manipulo, mil coisas, mas, acima de tudo, preciso.

Preciso gostar de outras pessoas também, mas preciso mesmo é que gostem de mim. Eu disse precisar, entendeu bem? Querer, esperar é uma coisa, precisar é outra.

E é aí que a coisa pega. Se eu pudesse simplesmente receber o que me é oferecido, na base de que a gente colhe o que planta, por exemplo, seria tão mais fácil viver. Mas um plantar distraído, relaxado, como quem cuida de gerânios e pepinos no quintal, não de um canavial para produção de etanol.

Aliás, eu queria que gostar fosse tão espontâneo quanto marias-sem-vergonha nas pirambeiras ou cogumelos no pasto depois da chuva. Estão lá porque sim. As florzinhas desencanadas, desavergonhadas, nascem e se abrem todas porque bateu um vento em algum lugar e levou as sementes por aí. E os cogumelos, bem, estes se aproveitam dos nutrientes que abundam nos pastos molhados, e pronto. Dispensam frescuras. Se a gente pudesse viver sem essa idéia fixa de que tem que seduzir as pessoas, cultivá-las e mantê-las ao nosso lado; se deixássemos que a própria vida, os ventos, as energias se encarregassem do intercâmbio de sentimentos, seria como ter um perfil no facebook, só que muito mais interessante, onde as outras pessoas passassem para deixar e levar afeto e outras coisas, alimentando uma rede de troca incessante.

Se a gente pudesse relaxar e gozar, simplesmente, seria muito bom. Já pensou? Não precisar que gostem de você?

Que libertação! Ficar ali, vivendo a vida, vendo novela ou tomando sopa, indo pro trabalho de ônibus ou cuidando dos porcos, lendo ou cozinhando, viajando ou tomando banho, sem precisar que alguém expresse um amor enooorme por você, mas recebendo tudo, segurando o que vale a pena e rebatendo o que não preste ou não te sirva. Isto sim é que é um bom sonho, que, como se sabe, não paga imposto.

* * * * * * 

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sonhar é maravilhoso e não paga imposto.Se fosse possível !!! Leveza de alma, plumas ao vento do coração !!!! Que maravilha!. Mas....acho que vou plantar,como nos tempos de criança, meu pé de girassol no quintal, sentar-me ao lado quando ele crescer e.......ficar meditando, pausando,orando,agradecendo, vivendo sem a pressão do dia-a-dia.
Tudo fantasia que o vento leva.......
Beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Júnia Puglia, estou aqui me perguntando porque sua crônica me incomoda (tanto! ). Será possível sonhar com o mundo da solidão? Ou será um medo terrível da solidão que você vem trazer à tona, arrombando o mais recôndito sentimento do porão? Medo de amar e ser amada? Prometo continuar pensando. Bj. Olga.

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