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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Assoreamento do rio Atibaia: danos ambientais e medo

O Nota de Rodapé prossegue com a publicação das matérias produzidas para o jornal laboratório do curso de Jornalismo da FAAT, faculdade instalada em Atibaia, no interior de São Paulo, que recebeu o Prêmio Yara de Comunicação na categoria Trabalho Acadêmico, lançado com o intuito de comemorar os 20 anos dos Comitês das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitê PCJ). O conteúdo é inédito na internet e trata dos recursos hídricos das bacias que abastecem milhões de pessoas no Estado de São Paulo. 

A seguir a reportagem de Fernanda Domingues, sobre o assoreamento do rio Atibaia. Entre outros problemas, a situação causou fortes enchentes que atingiram milhares de pessoas na cidade, deixando consequências até hoje, como o grave caso dos desabrigados do Campo do Santa Clara, que o NR noticiou várias vezes. 

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Assoreamento do rio Atibaia causa impacto ambiental 

Ausência de mata ciliar, sedimentos da água de chuva e obras de terraplanagem são as principais causas do problema. A população está apreensiva.


Um dos trechos mais assoreados do rio passa pela área mais pobre da cidade com o contraste do suntuoso Hotel Bourbon na paisagem 
texto e imagens Fernanda Domingues* 

O rio Atibaia, além de sofrer com o esgoto que vem da cidade de Bom Jesus dos Perdões (SP), tem, no trecho que passa pela cidade de Atibaia, interior de São Paulo, a 57 quilômetros da capital, um problema que causa sérios danos ao meio ambiente e à população: o assoreamento. Dos 16 km de extensão, existem partes em que a altura da água chega, no máximo, a 10 centímetros. Nesses pontos, pássaros caminham e não chegam a molhar nem sequer metade das pernas. 

A situação se arrasta há anos e por diversos motivos. Um exemplo está na reduzida margem de mata ciliar no percurso do rio. De acordo com o Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/65), rios com até 10 metros de largura devem ter 30 metros de Área de Proteção Permanente (APP). Rios de 10 a 50 metros de largura – tal como o Atibaia – devem ter 50 metros de mata ciliar. 

Atualmente, a área de preservação permanente em volta do Atibaia é, em média, de 15 metros, com trechos em que a mata ciliar nem chega a essa medida, algo que ocorre nos bairros da Ponte, Parque das Nações, Caetetuba e Recreio Estoril, onde o rio torna-se quintal das casas. Com essa condição, os detritos trazidos pela chuva vão direto ao rio, aumentando o assoreamento. 

Jorge Bellix de Campos, presidente da Associação Mata Ciliar, afirma que a qualidade e quantidade da água dependem do que há de proteção nos cursos de águas. “A mata ciliar auxilia no tratamento da água e favorece a diversidade das espécies animais, por exemplo, regulando a vazão nos picos de seca ou de cheias”. 

Para solucionar o problema, a Associação Mata Ciliar, por meio do projeto Águas do Piracicaba, integra as comunidades, principalmente rurais, na gestão dos recursos hídricos da Bacia do Comitê dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitê PCJ), que banham a Região Bragantina e o Circuito das Águas, que abrangem 15 cidades. 

O projeto dá suporte a essas comunidades desde o saneamento até a proteção de nascentes nas propriedades rurais. Segundo Campos, em Atibaia, são promovidas atividades de educação ambiental em algumas escolas e distribuídas fossas sépticas para o saneamento rural, bem como mudas de árvores nativas para a recuperação da mata ciliar. Outra iniciativa voltada à mata ciliar é o Programa de Proteção aos Mananciais (PPM), do Consórcio PCJ, que distribui sementes para os viveiros municipais. O programa conta com a participação de 16 viveiros e distribuiu quatro milhões de mudas. 

Atibaia ainda não faz parte do programa, mas, segundo o engenheiro agrônomo da Prefeitura de Atibaia e responsável pelo viveiro no município, Marcos Roberto Albertini, a parceria está em andamento. Ele explica que a distribuição mensal de sementes independe de estar inserido no programa do Consórcio PCJ, que contempla produtores rurais, associações, escolas e Prefeitura, com o trabalho de preservação da mata ciliar e embelezamento da cidade. 

Afluentes 

Outro causador do assoreamento são os sedimentos vindos dos córregos que desaguam no rio Atibaia. Isso ocorre porque as galerias de águas pluviais da cidade são antigas e não possuem um sistema de drenagem que faça a contenção desse material. Os trechos mais assoreados são justamente onde há o encontro com os afluentes. 

 “O córrego do Piqueri, que desagua no rio Atibaia, é formado por outros três córregos que cortam a cidade. Toda areia e sedimento que o córrego traz vai parar no rio”, afirma o diretor do departamento da Defesa Civil, Sérgio Cardinalli, que defende a realização do desassoreamento em toda a extensão do rio. 

Hoje, o desassoreamento é feito por uma empresa de mineração. Pelo menos duas dragas realizam esse trabalho nos bairros Recreio Estoril e Mato Dentro. A Defesa Civil de Atibaia também faz a retirada de lixo e de árvores mortas. Todos os dias, sete homens fazem o trabalho. “Antes disso, alguns trechos eram impossíveis de navegar”, aponta Cardinalli. 

No entender do diretor da Secretaria de Meio Ambiente de Atibaia, Michel Martins Urbano, o ideal seria criar um reservatório para receber as águas pluviais, permitindo a retenção desses detritos e liberando apenas a água. “Isso resolveria o ciclo sem fim das atuais limpezas sistemáticas, além de ajudar no controle da vazão da água no caso das enchentes”, destaca. 

Terraplanagem 

Nem mesmo o embargo da Secretaria do Meio Ambiente
impediu a terraplanagem na Av. Jerônimo de Camargo 
Silenciosamente, outra atividade contribui negativamente para a questão do assoreamento: a terraplanagem. Muitas obras possuem licença para operar, no entanto grande parte de terra vai para o rio em razão da falta de preocupação das pessoas que realizam o empreendimento. 

Segundo Michel Martins Urbano, todo empreendimento acima de 500 metros quadrados tem que apresentar um projeto de drenagem para poder realizar a obra. Porém, o mais difícil é a fiscalização para averiguar o cumprimento da lei. Exemplo disso é a terraplanagem de obra localizada na avenida Jerônimo de Camargo, via que atravessa Atibaia. A empresa responsável não respeitou as licenças e está embargada. 

O empreendedor aterrou mais do que o limite aprovado e demorou a apresentar o projeto de drenagem. Ele sofreu três multas e embargo, ainda assim, a obra não parou. O Ministério Público foi informado, mas, com a continuação da obra sem o projeto de drenagem, o material segue causando o assoreamento da jusante do rio. 

Consequências 

Entre o final de 2009 e começo de 2010, Atibaia sofreu a mais grave enchente da história. Quase 4 mil habitantes dos bairros Parque das Nações, Recreio Estoril, Caetetuba, Ponte, Jardim Kanimar, Guaxinduva e Terceiro Centenário ficaram desabrigadas ou perderam bens com os alagamentos. Essa foi a consequência mais impactante que o assoreamento trouxe às comunidades locais.   

Mário Sérgio Pinto, morador do Parque das Nações, perdeu móveis e viu vizinhos em situação mais grave. “A enchente veio de repente. A água começou a subir e pegou todo mundo desprevenido, perdi meu sofá e alguns outros móveis, mas a minha vizinha perdeu tudo”. 

Moradora do bairro Recreio Estoril há 40 anos, Finéia Ferraz, conta a tristeza de perder muito do que conquistou na vida. A enchente trincou praticamente toda sua casa em razão do enorme volume de água que invadiu a residência. “O desassoreamento do rio representa, para todos nós, mais sossego. Quando começa a época de chuva todo mundo fica preocupado, com medo. A gente tem pouco, mas esse pouco pra gente é muito. Temos medo de perder, de novo, o que levamos anos e anos pra conquistar”, desabafa. 

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Fernanda Domingues é repórter e estudante do 4º ano de Jornalismo.

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