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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Terminal Pinheiros 209P



por Maria Shirts    ilustração Camila Rocun*

Esses dias peguei um ônibus de Perdizes com destino à minha casa, que fica em algum limbo entre a Sumaré e a Vila Madalena (num daqueles bairros que ninguém nunca sabe o nome). O trajeto é fácil e corriqueiro na minha vida: basta aguardar o Terminal Pinheiros que vai toda vida pela Paulo VI, onde desço no último ponto.

Pra quem não sabe, sou uma ativista fervorosa do transporte público. Nunca aprendi a dirigir, e nem vontade tenho. Acho os automóveis inconvenientes, grandes carcaças de toneladas mal-educadas. Não sei porque, mas tenho algum incômodo com o individualismo que o modal representa.

Por isso, fico militando nas vidas virtual e real em prol do busão. Tento espalhar a notícia de que as novas faixas estão mudando a cidade e o nosso modo de se locomover. “É muito melhor do que você imagina”, costumo dizer com frequência. No mês passado, entretanto, o Terminal Pinheiros demorou um pouco mais do que o comum. Quando veio, chegou um ônibus enorme, daqueles de sanfona, anunciando uma mudança de numeração no letreiro.

Era o Terminal Pinheiros 209P, antiga linha 117Y. Perguntei pro cobrador o porquê da demora: “Muito trânsito senhor?”. “Não minha filha, é que essa linha mudou né, por enquanto tá meio confuso”.

É verdade, pensei comigo mesma, lembrando que a mudança faz parte da reestruturação nas linhas que procuram, até onde entendi, otimizar as viagens de ônibus, tornando-as menores e mais rápidas. “Entendi. Mas por que que trocaram por esse ônibus enorme?”, perguntei. “Pra levar mais gente né”, respondeu. “Uhm!” murmurei, um pouco envergonhada com minha própria ingenuidade.

Mas isso não pareceu incomodar o cobrador, o Sergio, que percebeu que eu sou dessas que puxa papo no busão. Sem mais delongas, ele começou a me mostrar todas as vantagens desse novo ônibus, que tinha duas câmeras (uma em cada saída) pra auxiliar o motorista, um painel eletrônico, luzes mais modernas e o melhor de tudo: era bem mais gostoso de dirigir. “Afinal, eu sou motorista também, sabe, tô de cobrador só por hoje”, avisou. E prosseguiu: “Adivinha quanto custa esse ônibus?”.

“Não tenho ideia!”. Já havia cometido uma ingênua gafe e fiquei tímida de lançar outra. “1 milhão e 200. E sabe quem paga? O BNDES”.

Fiz aquela cara de nossa, não sabia! Acho que o Sergio pressupôs o que eu estava pensando e continuou: “Pois é minha filha, os empresários não tiram R$ 1 do bolso, o preço da passagem é que vai pagar tudo!”.

O preço da passagem é que vai pagar tudo. E mais um pouco, concluí, mas quando fui responder já tinha chegado no meu ponto e me limitei a desejar apenas uma boa noite pro Sergio, que ia continuar a viagem naquele novo Terminal Pinheiros 209P, antigo 117Y.

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Maria Shirts, internacionalista e pedestrianista, mantém a coluna Transeunte Urbana. Ilustração de Camila Rocun, graduanda em Design Digital, ilustradora e apaixonada por cinema, divide seu tempo entre fazer arte pelo Portal R7 e ser mãe do Léo.

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