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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Uma bisnaga de lança-perfume por uma britadeira? Vai aê?


por Cidinha da Silva*

Acocorada entre três pedreiras estava a moça. Entra no ônibus um vendedor de doces que faz ruir todas as certezas dela sobre a leveza soteropolitana dos ambulantes em coletivos, e certa dureza dos paulistanos.

Senhoras e senhores, ele dizia, não estou aqui para vender nada. Papai do céu me enviou do fundão da zona Leste para adoçar a vida de vocês. Vou dar uma balinha para cada um (começa a distribuí-las), podem pegar sem medo, não é de Cosme e Damião, não. A moça das pedreiras olha-o com expressão repreensiva, qual é o problema dele com Cosme e Damião? O artista parece compreender e conserta: também não é de Jesus, porque eu não sou religioso. Minha clientela é vip, como a do Complexo do Alemão. Todo mundo leva bala, de graça. Lá, de calibre 12, na minha mão, de calibre doce.

O senhor ali da esquerda, pode pegar a bala sem medo, não dói, nem tá envenenada. Você aí, senhora, pode me olhar com essa cara de vaso, não faz mal. Meu pai é jardineiro, adoro flores.

Assim que termina a distribuição gratuita, o rapaz desenvolve a segunda parte da cena. Agora, pessoal, vou colocar na mão de vocês, sem nenhum compromisso, um chocolate delicioso. Para as mulheres na TPM é um bálsamo; para a criançada, lambuzação garantida; para os homens, uma compensação para o futebol que não vai bem das pernas, mas também uma comemoração para quem, como eu, é do Bando de Loucos.

Pode pegar, sem compromisso. A data de validade está na frente, do lado direito. Tudo isso, senhoras e senhores, por apenas um real. Quem comprar um chocolate desses me ajudará muito com as minhas coisas.

Que lindo! A moça pensa. Ele deve juntar esse dinheiro para pagar a faculdade. Mas ele completa: vocês me ajudarão a pagar a prestação do meu Scort. Scort de água, Scort de luz. Também do meu Astra, que miséria pouca é bobagem. O Astra das minhas contas astrasadas.

Todo mundo compra, sorrindo. Alguém comenta de lado que no trem são dois por um, o baleiro tá tirando dinheiro dos tontos.

Ele finaliza: vamos, vamos pessoal, só um real! No outro ônibus a galera gostou tanto que comprou de quilo e comeu chocolate até com papel. Vocês não vão querer ficar para trás, não é?

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 escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.

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