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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Menos é mais


por Júnia Puglia       ilustração Fernando Vianna*

Ter uma Copa do Mundo no nosso quintal significa, entre muitas outras coisas, que durante a sua realização o tempo de trabalho diminui um bocado. Tirando os dias de feriado, dedicados a ver o Brasil jogar, e aqueles com expediente reduzido, nas cidades onde ocorrem os jogos, as pessoas que gostam de futebol dão um jeito de acompanhar o que está rolando nos estádios, mesmo durante as horas de trabalho. Acho justo, pois a Copa só acontece a cada quatro anos e, vamos combinar, assistir os jogos – qualquer um deles – é muito divertido. Eu mesma não pensei que fosse tanto, mas me confesso contaminada pelo vírus desse esporte emocionante e sedutor. Poderia ser mais, se não tivessem alongado tanto os calções dos jogadores, que viraram bermudas, praticamente emendadas com os meiões, mas pelo menos alguns times estão jogando com camisetas bem agarradinhas.

É de se notar que ainda não tenha aparecido nenhum economista, financista ou administrador com cara de fuinha para calcular quanto o país perde nas horas gastas na frente da televisão. Talvez porque se sintam compensados com os muitos dólares ou euros que a turistada vai deixando por onde passa.

Em outros tempos, e honrando minha ascendência protestante puritana, eu ficava impressionada com essas contas dos feriados, mais ainda dos feriadões, que sempre pioravam bastante o notório mau humor dessa turma. A sexta-feira emendada vai custar ao país milhões de dinheiros pelas horas de folga não planejadas. A segunda-feira enforcada significou uma perda de muitos milhares de dinheiros para a produção. No mês passado, tivemos apenas quinze dias úteis. Até o dia que me veio a pergunta: por que não trabalhar é sempre visto como prejuízo? O ócio é sempre maligno? Descansar, fazer nada, afeta negativamente a tal produtividade? Assim acreditam os formuladores das teorias sobre como encher mais rápido o bolso alheio, ou como transformar a vida dos seus empregados ou subalternos num inferno de pressão e metas desumanas. O mundo do trabalho está enredado na armadilha do fazer muito e exigir ainda mais, para alimentar as engrenagens que inventamos, de moer gente.

Pois eu acredito que estamos precisando trabalhar menos e gastar mais tempo com o que der na telha, inclusive nada. Aposto que a tal produtividade ganharia, e muito, com pessoas mais relaxadas, mais conectadas com as coisas que lhes dão prazer e lhes desafiam a mente de maneira positiva, e não com essa doideira de matar um leão por dia, muitas vezes de forma mecânica, enfadonha e profundamente opressiva. O risco seria a gente querer trabalhar sempre menos. Será?

A melhor chefe que tive na vida era a primeira a sair do escritório no fim da tarde e insistir para que todos saíssemos com ela. Aliás, ela guardava na sua sala um equipamento completo para dormir depois do almoço: colchonete, lençol, máscara para os olhos e travesseiro. E ficava muito contrariada quando era acordada antes de terminar a sua sesta. Éramos uma equipe enxuta, mas muito respeitada, pela capacidade de responder a desafios consideráveis, sempre de cara boa e zero preocupação com os detalhes da matriz de resultados.

Inesquecível é também a história que li, nas memórias de Jorge Amado, sobre o cara que fabricava móveis artesanais em algum lugarejo por aí. Alguém chegou e perguntou quanto custava determinada cadeira. Ele deu o preço e a pessoa então quis saber quanto ele cobraria para fabricar oito cadeiras iguais. Ele deu uma quantia que era bem maior que a soma dos valores unitários. A pessoa argumentou, indignada: mas isto é mais do que o preço das oito somadas, quando deveria ser menos. Ao que ele retrucou: menos? De jeito nenhum. Fazer oito iguais é aborrecido bem muito.

Em tempo: essa Copa do Mundo está boa demais. Podia ter todo ano, né?

* * * * * *

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

Obrigada, querida Júnia!! Adorei!! Isso!! Alegria!!! Ludicidade!!! Trabalhar para o prazer!! Trabalhar com prazer!! Trabalho prazeroso!! Tra(prazer)lhar!! Traprazelhemos!! (E deixa eu ir que lá vem Alemanha e França!!)
Saudades!!
Carol Mendes

Anônimo disse...

Seu comentário , com luvas de pelica, traz à tona a ideia absurda de que "morrer de trabalhar", como querem os estrategistas de hoje, traz alegria, competição e......dinheiro para o bolso deles. O excesso de metas a cumprir, horários mínimos para descanso, mesmo contrariando, no Brasil as normas da CLT, pretendem dar a ideia de lucro, progresso, qualidade de vida.... (para poucos, na verdade). Se trabalhar matasse ou fizesse o ser comum ficar rico, eu já teria morrido umas dez vezes ou estaria milionária .Pois estou aqui, certa de que deveria ter trabalhado menos e aproveitado mais a vida. Agora, já na quarta idade, não mais na terceira, pouco se pode fazer. Não adianta geriatras e psicólogos ficarem "cantando" as excelsitudes da idade avançada, pois eles ainda são muito jovens e, como nunca foram velhos antes, falta-lhes a experiência que só o tempo traz . Trabalhar é bom, sim, mas gozar o ócio correspondente é muito melhor. Basta de correrias e competições estúpidas, em nome de um progresso que corrói nosso dia-a-dia.
Um abraço para você e para o Fernando.
Mummy Dircim

disse...

AMEI A CRÔNICA E OS 2 COMENTÁRIOS, DA CAROL MENDES E DA MUMMY DIRCIM!

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