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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Essa doida


texto e imagem Júnia Puglia

De passagem pelo Rio, o apartamento que nos acolhe fica na Domingos Ferreira, linda e curta rua paralela à orla em Copacabana, cheia de árvores, restaurantes, bares e do inconfundível ar ultracarioca impregnado em cada partícula do mitológico bairro. Caminhando lado a lado, meu filho e eu somos surpreendidos por uma moça que, vindo em sentido contrário, o chama pelo nome, ao passar por nós. Ela se explica. É aquela menininha de grandes olhos escuros e pestanudos, do apartamento vizinho, quando meu filho e ela tinham uns três anos, frequentavam a mesma escola maternal e aprendiam juntos a nadar na piscina do parquinho, em Brasília. Fazia muito que não a víamos, mas ela nos reconheceu e nos presenteou com um encontro inesperado e delicioso, os três em pé na calçada repassando afetos e memórias.

A saia que comprei há pouco, e deixei para ser encurtada às pressas, está à minha espera no ateliê da Odinéa, conforme instruções da vendedora da loja. Na enorme galeria comercial, misturam-se cubículos de treino de muay thai com lojas de moda cigana, de roupas esportivas e de praia, óticas, joalherias, sex shops, costureiras, agências de viagens e o que mais se puder pensar. Seis mulheres se espremem numa sala sem janelas, uma delas com sotaque hispânico, cada qual com sua máquina de costura. Conversam animadas, tagarelas como suas máquinas, chupando balas, contando casos e rindo muito, enquanto eu provo a saia e me marcam o novo comprimento. À falta de troco, o senhor velhinho que espera à porta se oferece para resolver o problema. Entrego-lhe o dinheiro e ele desaparece no corredor. Em menos de dois minutos, volta, todo feliz, com o dinheiro trocado.

Esse furdunço que é Copacabana nem sempre me atraiu. Talvez por ser barulhenta demais, bagunçada demais, com gente demais, gringos demais, apartamentos demais, cachorros demais, carros demais, tudo demais. Porém, quanto mais o tempo passa, mais essa confusão urbana me fascina. O mar e o calçadão ondulado sugerindo férias permanentes e, logo ali ao lado, a favela e o asfalto juntos, como irmãos siameses que jamais se verão frente a frente. E em cada centímetro quadrado desse mosaico alucinado, o DNA do que somos como gente e como país. Não há o que não caiba aqui dentro. É o que sinto.

Copacabana, sua doida, você nem me nota. Eu venho pouco aqui e fico na minha, andando nas ruas e te aprendendo como posso. Amanhã vou devolver para a aridez do cerrado os pulmões encharcados da umidade atlântica que você tão generosa e democraticamente distribui. Lá, além da estiagem sazonal, temperatura ascendente, em ano de eleição presidencial com uma campanha política pela qual ninguém dava muita coisa. Vamos que vamos. Obrigada e até qualquer hora.

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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

Que maneira gostosa de começar o dia, lendo essa delícia de Júnia! É como estar lá com vcs! Terê

Anônimo disse...

Eu, que morei no Rio e de lá tenho lindas lembranças, consegui sentir o cheiro da maresia e passear pelo calçadão! Obrigada pela viagem! Tâ

Anônimo disse...

Como é gostoso sentir a vida, sentir o vento ameno e o calor escaldante ! Gostaria de ter todos os fenômenos ao mesmo tempo, curtir o luar e o nascer do sol lá naquele canto,ouvir pássaros cantando, ou a chuva batendo de leve na minha janela.. Tudo traz lembranças, ou melhor, saudade.Ah! E aquele cheiro delicioso de bolo de laranja, ao final da tarde, vindo da manipulação dos cítricos !!!....Vou fazer uma viagem de volta aos cantos percorridos ao longo do tempo, numa tentativa de resgatar os cheiros e abraços da natureza. Belo comentário, Júnia, junto com a foto do morro.
Abraços da Mummy Dircim

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