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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Noves fora


por Júnia Puglia    ilustração Fernando Vianna*

E a matemática? Um dos grandes tormentos da minha vida escolar, um mistério incompreensível, inacessível, inútil, amaldiçoado e odiado até não poder mais. Responsável por broncas monumentais e um sentimento de fracasso que me dava vontade de sumir e reaparecer quando nunca mais na vida precisasse engolir goela abaixo as fórmulas, equações e cálculos – ficavam sempre entalados. Quando nunca mais tivesse que fazer uma maldita prova e tirar zero ou algum mísero valor próximo dele.

Como eu sumir era um projeto complexo demais, fiz com que ela sumisse, largando o finado segundo grau incompleto. Fora da escola e tendo que lidar com a vida prática, comecei a perceber que aquela porcaria fazia algum sentido e, mais inesperado ainda, que eu era muito boa de contas, tanto de cabeça quanto no papel. Realizar cálculos que meus colegas de trabalho nem tentavam passou a ser muito divertido e desafiador. Sim, eu mesma, para meu próprio espanto.

Aos poucos, foi me entrando uma pena por ter tido na escola uma abordagem tão burra, não só à matemática como às ciências exatas em geral, que me impediu de perceber, lá atrás, a beleza, a abstração e a poesia contidas no raciocínio lógico e as correlações profundas entre aquelas fórmulas torturantes e a vida cotidiana, em todas as áreas. Noves fora, ficou o vazio do ensino encarado e exercido sem qualquer compromisso com a sensibilidade. E não por culpa dos professores e professoras, mas da visão que predominava sobre as motivações e objetivos do ensino formal. Que, diga-se de passagem, se perpetua até hoje, com raras exceções.

Daí, me veio o Jorge Mautner, num show na semana passada, com um papo sobre haver evidências científicas de que os neurônios são pura emoção, e a matemática está cheia dela. Para completar, ontem, ouvi de uma amiga, já entrada na sétima década de uma vida toda dedicada ao humanismo e à arte: se eu fosse mais jovem, estudaria matemática. Bateu fundo.

Não que eu esteja pensando em escrever um poema em prosa sobre a equação de segundo grau ou o teorema de Pitágoras – meu fim de linha – mas que é fascinante ver a precisão e a lógica por trás de frases, melodias e versos, tanto quanto encontrar a poesia nos arcos das colunas dos edifícios da Praça dos Três Poderes, e no próprio traçado da praça, isso é mesmo. Fascinante e emocionante.

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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

Viva a matemática, quando entendida em seu respeitável valor. Infelizmente não é ensinado às crianças e adolescentes o uso, a prática, o sentido da matemática no dia-a-dia. Pelo fato de só ter vindo a compreender o significado de tantas equações,símbolos e cálculos depois de adulta, quando já tinha deixado os bancos escolares, lamento que nossas escolas
até hoje continuem vendo a matemática como bicho papão, horror dos que não a entendem (quase todos).Coitados dos professores que são obrigados a ensinar tanta falta de utilidade para os pobres alunos entediados e desinteressados. Se pudesse, voltaria ao meu antigo curso científico para rever as lições do velho professor DR. Luiz.
Parabéns ao Fernando pela ilustração tão real. Bjs da Mummy Dircim

suely andrade disse...

Noves fora: Nada. Que sorte nossa vc ter SD livrado da maldição!

Anônimo disse...

A matemática é simplesmente magnífica! Pena que a imagem dela nas escolas seja tão negativa... Podia ser muito mais divertida! Eu sempre começava a lição de casa pela de matemática, a minha disciplina preferida. Citando Galileu, "A matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o universo". Beijos, Martina.

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