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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Como se faz uma crônica


por Fernanda Pompeu*

Em três fases. Pois tudo sobre a Terra - abaixo e acima dela - tem três etapas. Nossa própria existência: nascer, viver, morrer. Todas as narrativas: começo, meio, fim. Prato brasileiríssimo: arroz, feijão, farinha. Do mestre Lao-Tsé: “O Tao gerou Um. Um gerou Dois. Dois gerou Três. Três gerou todas as coisas”.

Primeira fase:

Encontrar o tema. Nem sempre é difícil, às vezes ele vem como um santo que baixa. Você está tomando um copo d´água e, antes de terminar, surge o assunto. Num dia de sorte, pode até despontar inteiro, perfeito, redondo. Mas nem sempre é fácil, de repente, vem a pergunta: Escrever sobre o quê? Silêncio de sepulcro. Aí a orientação é ir para a rua e esticar os ouvidos para frases alheias. Também ajuda assistir a um filme. Quem sabe um cena, um diálogo acenda uma luzinha na sua cabeça. Ou se inspirar no vídeo do cartunista Alpino mostrando como se faz uma charge. Também vale se refugiar no Dom Casmurro, do Machado de Assis. Todas as ideias estão lá. Se nada disso adiantar (e muitas vezes não adianta), a dica infalível é olhar para dentro de você e aguardar que o tema venha. Ele virá alegre ou tristemente. Mas virá.

Segunda fase:

Moldar a forma da ideia. O assunto será tratado de jeito engraçado? Trágico? Ele é sério ou risonho? Em geral, o tratamento crônico mistura as categorias acima. Pois a crônica é um gênero do cotidiano, das chamadas coisas pequenas. Uma crônica não se dispõe a mudar o mundo, quando muito, ela muda seu estado de espírito enquanto você lê. Dos pesos da literatura, ela é categoria peso leve. Tudo isso é certo para o leitor, pois para a pobre da cronista ela dá um trabalhão. Por exemplo, escrever sobre a morte, o amor, o desespero, o frescor de maneira leve. Crônica tem que ter leveza, antes de tudo. Nela, cada frase tem o efeito de um parágrafo.

Terceira fase:

Soltar os dedos no teclado. Chamo esse momento de a hora da verdade. O acaso e a teoria ficaram para trás. Agora é você e a língua portuguesa. Todas as decisões são suas. As consequências da escolha do tema, do formato da ideia, da escrita propriamente dita também. Comece, continue e termine. Depois vem a revisão: checagem de ortografias, nexos sintáticos, resultados semânticos. Aqui você deixa de ser cronista para se tornar carpinteiro. Cortar, lixar, polir. Pronto, agora é postar. O passo seguinte é com o leitor.

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Fernanda Pompeu é escritora e redatora e colunista do Nota de Rodapé. O texto acima foi publicado originalmente em sua coluna Mente Aberta no Yahoo. Imagem: Régine Ferrandis

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