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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 7 de abril de 2015

A rendição de Leopoldo


por Fernando Evangelista*

Venho por meio desta, com tristeza e pesar, alma condoída e inconformada, comunicar que o nosso querido Leopoldo, filósofo do Rio Tavares, sábio dos balcões, bebum incurável, romântico à moda antiga, foi internado neste domingo de Páscoa numa clínica psiquiátrica. E pior: foi por livre e espontânea vontade.

Aqui termina o comunicado e começa uma carta de espanto:

Como fizeste uma coisa dessas, Leopoldo? Logo tu, exemplo para os atormentados do submundo e adjacências, pastor sem sermão ou moralismo, sem ismo nenhum, vivendo a anarquia puríssima do inferninho mais próximo. Como assim? Me explica se puderes e se ainda tiveres alguma rebelião no espírito.

Sou testemunha, Leopoldo, de que nunca enganaste ninguém. Foste sempre o porra-louca mais autêntico que já conheci. E porra-louca com remédio tarja preta é como cerveja sem álcool, religião sem pecado, pecado sem gozo, poeta sem noite, noite sem sereno, Caim sem Abel e, finalmente, porque senão ficaremos nesta lista até o fim dos tempos, um livro sem leitor e um pé de milho sem Rubem Braga. (Obrigado, Gay Talese).

Leopoldo, não tenta te curar porque – como diria nosso parceiro João Antônio – não há cura para a tua “alma de cristal”. Quem são eles para te trancafiar nestas paredes brancas, cheias de boas intenções e péssimas fórmulas, que apaziguam o ânimo e enganam o desejo? Quem foi que te convenceu, irmãozinho, que a tua emoção é uma loucura e a tua liberdade uma ameaça?

Esses órfãos de Simão Bacamarte não sabem de nada. Não sabem que sem a tua alegria bêbada e teu humor descarrilado a vida fica com cara de paulistano no trânsito, sem esperança de praia, na primeira e segunda marcha da impaciência.

Com meu copo de cerveja meio vazio, meio de saco cheio, olhando teu banquinho desocupado, debruçado neste nosso balcão e pensando na vida cara e na tua filosofia barata, imploro para que voltes para a boemia nossa de cada dia. Se quiseres, escuta com atenção, te resgato daí na marra, mesmo que na maca ou em camisa de força.

Leopoldo, meu sábio, não desiste, não te rende.

Mesmo sozinho, brindo à tua loucura para que ela, como a casa bíblica, resista fincada sobre a rocha e que os ventos da lucidez e os jalecos da ciência não te façam cair nas tentações do equilíbrio, da vida zen e da alimentação macrobiótica. Amém!

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Fernando Evangelista é jornalista e documentarista. Escreve às terças-feiras no Nota de Rodapé.

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