da peruagem
2 da tarde, saio pra ir à padaria. é um belo dia de sol, frio e céu azul na bela e ensolarada vila madalena, e parece que esse clima de primeiro mundo deixou as peruas em polvorosa. abaixo três exemplos fantásticos que consegui em apenas dez minutos na rua (em ordem cronológica!):
perua #1 – EXT/ DIA – rua rodésia esquina com jericó – caminho de ida
a vila madalena é o local com maior número de confusões engraçadas de trânsito por quilômetro quadrado. são ônibus gigantescos em ruazinhas apertadas, quase sempre duas mãos. a isso some-se a geografia acidentada do meu querido bairro natal e os carros estacionados dos dois lados, mais os manobristas e… enfim: as peruas. era exatamente uma situação dessas: um ônibus entalado em uma curva fechada, um carro tentando dar ré na curva e mudar de mão pra ver se o ônibus encontrava espaço pra desentalar, uns outros dez carros esperando… uma confusão dos diabos. a nossa perua #1 vem na única mão livre da rua (justamente pra onde o bondoso senhor do carro tentava se locomover pra liberar o ônibus) a toda velocidade e buzinando. tira uma fina do carro que manobra e ainda sai xingando por trás de seus vidros com insulfilm. acho que ela deve ter colocado insulfilm também nos olhos, pra só enxergar o lado de dentro, né?
perua #2 – INT/ DIA – padaria rodésia
padaria lotada – caixa idem. a nossa querida perua #2, que está na minha frente na fila, é uma perua fashion: pequena e magrelinha, seus óculos tipo abelha parecem ainda mais bizarros no rostinho minúsculo emoldurado por cabelos assimétricos. ela deve realmente gostar muito de moda pra se obrigar a usar óculos tão desproporcionais ao tamanho de seu rosto. ao lado dela, uma amiga. atrás de mim, mais umas quatro pessoas esperando pra pagar.
- você tem algum doce que não seja chocolate?
- tenho esses aqui.
infelizmente ela estava continuando a conversa com a parceira. alguns segundos depois:
- tem ou não tem?
- tenho esses aqui.
- ah, esse eu não quero.
vira novamente para a amiga e conversa mais um pouco. o caixa, irritado. nós, resignados.
- e tic tac, do normal, você tem?
- tenho.
- ah…
pensa durante um século. pergunta o que a amiga acha do tic tac. pensa de novo.
- não, e mentos?
- tá aqui.
- ah… não. daquele mastigável, você tem?
- tenho.
- ah…
pensa mais um século. continua um pouco mais a conversa. de repente, um estalo:
- não. não vou querer, não. ó, cobra aqui. só que eu só tenho cinquenta, tá?
perua #3 – EXT/DIA – rua rodésia esquina com jericó – caminho de volta
no mesmo malfadado cruzamento da perua #1, a nossa perua #3 pára pacientemente para dar passagem pra outro carro (é um cruzamento sem semáforo). pena que pacientemente demais: ao pisar no freio, nossa querida abre o porta-luvas do carro, tira uma bisnaga de creme e, calmamente, começa a hidratar a delicada pele de suas mãos e antebraços. dois, três, quatro carros se acumulando atrás dela. mas a perua #3 termina calmamente de se hidratar e só então move seu veículo. detalhe: ela só olhou pra frente depois de andar uns bons metros. ainda bem que sou uma pedestre atenta, ufa!
Sofia Amaral é roteirista, produtora e na pré-adolescência usou polo ralph lauren e tênis de salto, mas acha que peruagem não tem nada a ver com roupas.
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