Galo, forte e brigador
A palavra de ordem era “secar”. Torcedor gosta de agourar o time alheio e há mesmo quem prefira jogar maus ares para o oponente do que enviar boas vibrações à própria esquadra.
Quando foi chegando a data da viagem para Belo Horizonte, apressei-me em conferir a tabela. Brasileirão, Galo e Vitória. O Galo, que de fogo de palha passou a candidato ao título, este time que resolveu interferir nos planos do meu Tricolor, não merece comiseração: a ordem é secar.
Chegando a BH, a bilheteria do Mineirão esperava. Problemas de ingressos à parte, consegui entrar no estádio. No início, até pensei que a função de secador pressupunha sentar na torcida baiana. Ainda bem que não deu certo, teria sido um enorme arrependimento. Ficar lá, no meio da torcida do Galo, é beleza pura.
Mineirão lotado, bonito de ver. O Atlético vive seu momento divino, maravilhoso, em que precisa estar atento e forte, sem tempo de temer a morte. A ordem é secar e, por isso, cabe olhar torto pra casa cheia, achar que isso é coisa de quem não ganha título há décadas, feito de torcida carente, moço.
É hora de o Galo vir a campo. Torcida em uníssono é algo fantástico, só se arrepia quem vê. É um dos poucos momentos em que vale a pena integrar um rebanho, penso eu. A torcida é linda, mas a decisão é de secar. Para isso estou. Aliás, todo o resto de BH, a Pampulha, a Praça Sete, os botecos, que tudo fique menor frente ao jogo, a ordem é secar. Que caia o Galo.
A bola rola, a torcida segue cantando bonito. O time está longe de ser o melhor do torneio, mas tem fibra. Sabe de suas limitações, assimila seus problemas, não olha com empáfia para o adversário. Sabe que, se não correr, perde. E a torcida canta bonito, empurra o time.
Não, já não dá pra secar. Um time que dá o sangue, uma torcida que lota a casa e vai pra cima, não dá pra secar. Que vença o Galo. Tardelli, atacante que parece ter cansado de dar problema, marca o gol. É o único do jogo, é aquilo que o time precisa.
A torcida, empolgada, quer agora ver o retorno de Marques, cavaleiro de mil andanças que fica melhor à medida que passa o tempo. Entendeu que, quando já não era veloz, precisava ganhar classe, e assim o fez. Vai andando como é, vai sendo como pode, joga seu corpo no mundo, anda por todos os cantos. Pela lei natural dos encontros, deixa e recebe um tanto.
No segundo tempo, o Vitória melhora. Bola na trave. Por um momento, hesito e penso em voltar a secar, mas logo a torcida do Galo empurra de novo e deixo de lado o papel de agouro. Há tempo para Tardelli sofrer e perder um penal, não importa: o Galo é forte e brigador.
E merece ganhar. Depois de uma tarde-noite no Mineirão, penso que, se não for para o Tricolor, que seja para o Galo.
João Peres é jornalista e foi a BH numa promoção dessas imperdíveis de passagens aéreas. Viu Atlético Mineiro x Vitória, no 24 de outubro, e conheceu o Mineirão.
2 comentários:
Secar é uma arte. Uma arte sem nobreza, é verdade, mas ainda assim de muito valor. O Xico Sà a descreve muito bem (e enxerga até nobreza nisso).
mas acho legal isso que o joão descreve. tem jogo q vc tenta torcer pra um lado ou tenta secar um lado, mas não consegue. Pra mim, o que acontece ao assistir a um jogo é análogo ao que rola na hora de saber, quando se é moleque, pra que time você torce. Por mais que exista pressão e uma margem pra escolher, de repente vc se percebe torcendo sem nem se dar conta de quando aquele sentimento começou.
Recentemente, tive uma crise no meu namoro. Minha vó dizia: o que vê na vizinha, não encontra na vida. Por isso olha, e anseia. Mas não se engane, o que escolheste agora é, seu, é estar sendo, e não vai mudar tão fácil. O logo é nunca.
O que viu no Atlético, impossível encontrar no São Paulo. Uma pena. Pra você. E fica uma sugestão, não vá pro meio da torcida do Corinthians. Pelo jeito, isso não é pra vc.
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