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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Rodapé Jurídico # 1


Guilherme Ablas, advogado tributarista, jornalista e sócio do escritório Lins e Silva, Braghette, Bueno & Ablas estreia hoje sua coluna no Blog Rodapé. A novidade é que você, leitor, pode enviar suas sugestões de temas para coluna ou perguntas e dúvidas sobre o mundo jurídico, tão pouco acessível ao povão, que o Guilherme responderá ao serviço na medida do possível neste espaço. Para contato escreva para rodapejuridico@notaderodape.com.br

Muito além de encher os cofres
Quando fui convidado a escrever para o Blog Nota de Rodapé, me foi feita a proposta de analisar, de maneira crítica, os principais acontecimentos tributários e econômicos do País. A ideia era simples. Bastava que eu verificasse quais eram os principais assuntos veiculados pela imprensa e comentá-los para os leitores deste Blogue.
Em princípio me pareceu ser uma tarefa fácil, mas não foi bem o que constatei. Logo no momento de coletar material para a minha primeira coluna, o Governo anuncia majoração das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para veículos automotores, mas, contudo, anunciou a manutenção da redução daquele imposto para os produtos da chamada “Linha Branca” (Geladeira, fogão, freezer etc.). Ainda, naquela mesma semana, a equipe econômica do Ministério da Fazenda decidiu instituir nova alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a ser aplicada sobre o capital estrangeiro aportado no país.
Como se já não bastasse, circulou na mídia o boato, apenas especulação, pois o Ministro Mantega se prontificou a desmenti-lo, de que entrega da restituição dos últimos lotes do Imposto de Renda da Pessoa Física seriam postergados para o início do ano que vem.
Com todos estes assuntos em pauta, passei a analisar qual seria o elo entre eles. No ímpeto, me declinei a culpar a “sede” arrecadatória do Governo Federal. “Má administração e necessidade de mais recursos” “De que adianta abrir mais a torneira se você não fecha o ralo?”. Mas, em segunda análise, agora com mais atenção, pude verificar que a ligação entre as medidas tomadas pelo governo não tem relação propriamente com a arrecadação fiscal, mas sim, com o seu caráter extrafiscal.
Explique-se: alguns tributos, como o IPI (produtos industrializados), IOF (operações financeiras), II (importação) e IE (exportação) tem características que extrapolam a simples função de arrecadação para o Governo. Estes tributos são utilizados como ferramentas econômicas que podem, por exemplo, estimular ou retrair o consumo, as importações, a produção, enfim, sua função é extrafiscal. Vão além do fiscal.
Passávamos por uma crise econômica fortíssima e, em especial, um setor vinha sofrendo de maneira acima do normal - o automobilístico. Desta forma, os executivos das grandes montadoras bateram à porta do Palácio da Alvorada (desta vez os “patrões” procuraram o “sindicalista”) e cobraram medidas urgentes. A solução encontrada foi a redução tributária, mais especificamente do IPI, de forma que os preços dos veículos foram reduzidos sem que fosse afetada a margem de lucro das montadoras. Passada a tempestade e finda a razão para a redução tributária, as alíquotas voltaram ao seu patamar inicial. Como consequência temos que, no período de redução as vendas cresceram quase 30%, deixando o setor muito satisfeito e, certamente, garantindo ao presidente o apoio político nas eleições de 2010.
Com as indústrias produtoras da “linha branca” o efeito foi praticamente o mesmo. Redução da carga tributária e alavanco das vendas. Aqui, além de tudo, as classes C e D tiveram acesso ao fantástico mundo do consumo. Ficam felizes o setor industrial (FIESP e companhia) e os consumidores, galgando-se, ainda mais, a simpatia popular. Afinal, devemos lembrar que nos confins do sertão, talvez, a “D. Maria” tenha tido a oportunidade de trocar o seu fogão à lenha pelo tão sonhado fogão a gás.
Por sua vez, a elevação da alíquota de IOF sobre o capital investidos no País apareceu, tão somente, como forma de obstar a crescente valorização cambial do real perante as demais moedas. Não que o governo esteja lá tão interessado na imagem do dólar perante o mundo. Obviamente, a única preocupação do Palácio do Planalto é que, ocorrendo a desvalorização do dólar (indexador da economia) a balança comercial fica deficitária.
Note-se, em vez de controlar a balança comercial através de estímulo às exportações, com investimentos na indústria e no escoamento da produção, o Governo Federal providenciou “algumas canetadas”, cujos frágeis efeitos, supostamente, poderiam ser notados em curto prazo.
Pois bem, até então tínhamos um excesso de dólares na nossa economia (principalmente despejados no mercado especulativo mobiliário), que culminava com a baixa de seu valor perante o Real. Assim, até então, tínhamos um cenário em que as importações se tornaram “mais baratas” e as exportações “mais caras”. Viu-se a necessidade de conter esta queda cambial.
Para isso, a medida normalmente adotada pelo Governo Federal é a compra de grande quantidade da moeda estrangeira, de modo que, levando-se em consideração a “oferta x procura” o seu preço voltaria a subir. Ocorre que, já tendo grande reserva da moeda, o Governo decidiu por novas saídas
A maneira encontrada foi onerar-se o capital externo, através do aumento da alíquota do IOF, de forma que não se tornasse atraente ao investidor estrangeiro o aporte de capital no Brasil. Ou seja, se o investidor quisesse manter seus dólares no Brasil, teria de desembolsar uma razoável quantia a título do Imposto sobre Operações Financeiras.
Entretanto a referida medida econômica ainda não surtiu efeitos. Na mesma época o Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos) reiterou a intenção de manter os juros em um nível baixo e por um período longo. Desta forma, ainda com a majoração da carga tributária, não se tornou vantagem para o investidor repatriar os seus dólares aos Estados Unidos.
Com efeito, o que se pode observar neste ano é a desvalorização acumulada do dólar no patamar de 27,05%. Enfim, o fantasma da balança comercial desfavorável continua rondando a praça dos três poderes em Brasília.
Assim, ainda devemos aguardar para saber se as medidas adotadas pelo Governo Federal vão acarretar os efeitos esperados em nossa economia, se vai culminar com o aumento do PIB, ou se vai refletir na balança comercial. Até lá, sigo confiando no Ministro Mantega, afastando os boatos e esperando ansiosamente que o 7º lote de restituição do Imposto de Renda venha já no mês que vem, garantindo a ceia de natal.

6 comentários:

Lina disse...

Gostei de ler vc, Gui.
Aprendi.
bjos, Lina

Unknown disse...

Grande Sr. Ablas. Parabéns pela ótima estréia. Tentarei aconpanhar sempre que possível.
Grande abraço.
Baguete.

Unknown disse...

Adorei seu texto.
Parabéns pela estréia!!!

Patty disse...

Será que tributário um dia entra na minha cabeça??
Parabéns, Gui.
Beijos

Samira Lins e Silva disse...

Dr. Ablas!!!

Meus Parabéns pela fantástica estréia!!
Você merece todo o sucesso desse mundo!!
Tenho enorme orgulho em ser sua sócia!!
Primeiro passo para um futuro livro...

Bjs, Samira Lins e Silva

Marcelo Fay disse...

Faz tempo que a gente não se fala, e engraçado ver um advogado comentando assuntos econômicos com tanta propriedade, parabéns! Mas eu não consegui me conter em comentar um pouco, agora pensando mais como economista.
Quando você fala:
“Note-se, em vez de controlar a balança comercial através de estímulo às exportações, com investimentos na indústria e no escoamento da produção, o Governo Federal providenciou ‘algumas canetadas’, cujos frágeis efeitos, supostamente, poderiam ser notados em curto prazo.”
Eu tendo a concordar com você, mas quanto mais eu olho para a economia brasileira, mas eu me pergunto se de fato o país tem capacidade para ampliar em algum prazo as exportações. Por que eu digo isso? Bem, é simples, a participação do Brasil no comércio internacional é singelo e os últimos crescimentos do PIB, em minha opinião, são muito mais um reflexo de aumento do consumo interno (maior numero de pessoas com acesso ao consumo – as ditas classes C e D que cresceram) do que das exportações propriamente dito. Por mais que o Brasil tenha superado o seu 1% no comercio internacional e já supere (a duras penas) os 2%, nos últimos anos, a flexibilização no segundo mandato FHC e na gestão Lula da variação cambial, permitiu que as, tão criticadas por Gustavo Franco, viúvas da inflação experimentassem vantagens consideráveis no mercado internacional geradas pela desvalorização do Real.
Hoje, o Brasil participa do comercio internacional? Sim. Ele é relevante para o país? Ele tem sido assumido como estratégico pelas ultimas gestões. Mas então porque minar a entrada de capital? Para manter uma vantagem aos exportadores, sem gerar ônus financeiro ao governo. Achei válida a iniciativa, por mais que se assuma que o Brasil é o país dos impostos, não há como, reduzir gastos governamentais (na economia é simples assim gastos do governo devem ser iguais a arrecadação/impostos), estimular exportações e gerar (na marra) distribuição de renda (ampliando consumo nacional). Isso mata a típica opção de ampliar a reserva em moeda estrangeira, aumentar o IOF torna os investimentos no Brasil menos competitivos, mas permite que os exportadores pelo menos ganhem fôlego. Se vai dar certo? Vamos aguardar os típicos 6 meses de maturação dessa política econômica e ver os resultados.
Abraços e boa sorte na coluna!

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