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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Binária # 1


Para que uma rede estatal?


Dizem que o presidente Lula não chegou nem a olhar a proposta de Plano Nacional da Banda Larga elaborado pelo Ministério das Comunicações. Não que o documento trouxesse grandes novidades, na verdade os números apresentados são praticamente os mesmos que a Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) já havia mostrado em outubro de 2008 quando publicou o Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações no Brasil (PGR). Na época não se falava em plano nenhum de banda larga, só no aperfeiçoamento do marco regulatório e na evolução natural do mercado.
O fato é que o governo já está decidido de que o caminho para conseguir aumentar a penetração da banda larga no Brasil é por meio de uma nova empresa estatal que forneça serviços às operadoras e complemente a infraestrutura que elas têm.
A ideia é simples. Falta banda larga porque o sinal não chega. E o sinal não chega porque as empresas não querem investir em regiões em que não há "viabilidade econômica", ou seja, onde não dá para obter lucro. Caberia ao estado, assim, a missão salvadora de dar solução ao problema criando uma estatal que vai oferecer a rede nas áreas menos interessantes para as operadoras. Será mesmo a solução?
Posso imaginar uma cena. O sujeito da cidade que até então só tinha a banda estreita (ou banda nenhuma) e que passou a fazer parte do mundo digital, agora consegue acompanhar o último hit viral no YouTube. Ele está lá feliz navegando pela internet quando a conexão cai. Ele liga para a operadora (considerando que o telefone ainda funciona) e ouve: "Estamos enfrentando problemas em nossa estrutura de acesso e estamos trabalhando para resolver o problema o mais rápido possível, senhor". Sem muito a fazer, se senta à frente da TV e no noticiário vê que o problema de acesso foi na rede do governo. Alguma coisa como o novo apagão que atingiu o país em novembro. E agora? A quem reclamar? Como saber se o problema foi mesmo da rede do governo ou se foi desculpa da operadora?
Se o problema é mesmo da rede do governo, o que acontece? A operadora dá desconto para o cliente pelo tempo parado e manda a fatura para o governo? Como o governo vai pagar? Aumento da carga tributária? Criação de um novo imposto para financiar a estrutura de banda larga pública? E a Anatel? Vai ter poder (político, sobretudo) para fiscalizar a atuação da estatal?
O problema é complexo mas o “remédio estatal” pode ter efeitos colaterais graves. As leis que regulam o setor estão aí, elas só precisam ser cumpridas. Se estão erradas ou não funcionam direito, o legislativo existe para isso, certo? Não é uma nova empresa estatal que vai fazer o desenvolvimento acontecer, ela só vai ser uma nova moeda de troca política, mais um foco de corrupção. Ninguém precisa reinventar a roda, só calibrar o pneu.
Tem-se questionado muito sobre o que fazer com os milhares de quilômetros de fibra óptica construídos pelo governo que estão sem uso por todo o país. A pergunta correta é por que mesmo essa estrutura, que foi montada com dinheiro público, esta parada há tantos anos? A estatal responsável, Eletronet, está em processo de falência. São mais de R$ 400 milhões em dívidas com fornecedores. Se o negócio já não funcionou uma vez, por que insistir de novo nessa questão? Essa não parece ser uma estratégia muito interessante para se pensar o futuro da inclusão digital do país.
Não seria melhor fortalecer o poder de fiscalização da Anatel, que tem funcionários com excelente conhecimento e capacidade técnica, mas que só consegue fazer uma coisa por vez? E também reforçar o orçamento do órgão regulador que ano após ano é contingenciado para gerar superávit primário? É muito difícil pensar na criação de uma infraestrutura estatal. Que tal objetivar conectar todos os órgãos públicos dentro de um projeto de modernização e desburocratização do atendimento à população e que ao mesmo tempo ajudasse a alimentar a indústria de tecnologia e telecomunicações no Brasil com projetos inovadores? Esse sim é o papel do estado para desenvolver o país no longo prazo.

Gustavo Brigatto é jornalista e cobre a área de tecnologia há 5 anos. Mantém o blogue http://commandcom.worpress.com e é colunista do Nota de Rodapé

Um comentário:

Anselmo disse...

é um bom debate.

definir o papel do Estado é mais complexo. se alguém considerar que banda larga pra 100% do território é estratégico, é opção de política de desenvolvimento, pode ser papel do Estado.

Se vai ser boa a banda larga, nao sei. com certeza vai pintar um monte de problema. com certeza integrar serviços públicos seria uma ótima. mas uma rede pública de banda larga nao exclui isso, até facilita.

mas definitivamente não é um debate simples.

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