A estação da Lapa é uma das mais movimentadas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), já que o bairro é um lugar de passagem e aglutina e dá saída há várias linhas e tipos de transporte, sem contar o seu comércio popular, muito efervescente.
No dia 29, última sexta-feira e último dia de rotina até a São Bento já que voltarei a frequentar as bandas da Vila Madalena na Revista Retrato do Brasil, um encontro inesperado. Devo dizer que, neste dia, era inevitável, ao menos para mim, não ficar chateado com a despedida de amigos que fiz na Revista do Brasil. Bom, esperava o trem já meio tristão quando se achegou um senhor e sentou-se ao meu lado. Nos entreolhamos e ele, com uma expressão de desgosto com a vida me disse “é foda”. Mas o que é “foda”, perguntei.
José, 48 anos, estava desde às 3 horas da manhã de pé, vindo de Mogi das Cruzes, atrás de emprego. Faz um ano que está batalhando um lugar ao sol e sobrevivendo de bicos que não rendem o suficiente para cuidar da mulher e dos três filhos. “É duro ver a cara deles e saber que estou sem forças, mas tenho fé em Deus.”
O José, 1.70 m, calça social marrom, camisa quadriculada lisa, sapatos pretos batidos, barba feita no rosto bolachudo e bigode discreto me lembrou o filme Segunda-Feira ao Sol (Las Lunes al Sol), do diretor Fernando Leon de Aranoa e que tem Javier Bardem no elenco. Numa pequena cidade industrial ao norte da Espanha, um grupo de amigos se reúne no bar de Rico, conversando nas horas vagas, onde compartilham suas frustrações e esperanças sem emprego, rodeados pelo alcoolismo e crises familiares.
Entre eles está Lino (Jose Angel Egido), o único do grupo que tenta novo emprego, em nítida desvantagem com as novas gerações a ponto de tingir o cabelo para parecer mais jovem. Um homem doce, pacato e lutador que não pode deixar a família na mão. Que não pode, como os outros, se render ao tempo e a idade. Que precisa, como José, lutar e buscar uma solução.
O trem chega, embarcamos
José conta sua história, fala dos filhos, da esposa, pergunta de mim, o que faço, quem sou eu. Tem fé e parece ser bem religioso com Deus sempre presente em suas frases. “Tinha um emprego garantido de porteiro de prédio, mas perdi porque não consegui 60 reais para o curso obrigatório”, reclama. "Seria a sorte grande, um salário bom", emenda. “Me dá seu telefone que se eu souber de algo te aviso, José”. “O telefone foi cortado”, explica constrangido. Dou o meu e peço que ligue tão logo tenha um contato de vizinho ou amigo. Agradece. Já na Barra Funda o convido para um café e um salgado. Estava a base de água fazia horas. Agradece e me abraça. Fico sem jeito, mas retribuo.
Falamos pouco. Ele engole o pão de queijo e diz que precisa continuar a caminhada. Nos despedimos. Observo ao longe ele tomar seu rumo. O único sentido de tudo aquilo era o destino Júlio Prestes. Estava num dia fragilizado emocionalmente, sem dúvida, fruto também de um janeiro trágico com tantas desgraças que vêm acontecendo no Haiti e no Brasil. Mas quantos Josés ainda estão por aí e sem rumo? Quanto ainda está por ser feito? Um mundão, outro possível, já não se sei acredito tanto. Me senti um merda por um momento. Mas não era isso o melhor a se pensar. “Foda” é a desigualdade. Essa sim, José, encarnada em você cruzou meu caminho mais uma vez e falou comigo. Não me pediu não mais que um pouco de atenção para desabafar. Espero que você me ligue.
Thiago Domenici é jornalista; um dos autores do livro-reportagem Brasil Direitos Humanos 2008, lançado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH).
3 comentários:
Que saudade que eu sinto...desse cenário, desses personagens. Que saudade dessa cidade!
ele te ligou?
Ele ainda não ligou.
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