.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Cena II, o dia D(e) gravação de uma megaprodução

Acordar cedo foi um terror e as pernas já estavam no esquema “escadas não”. No entanto, a gente pode chegar um pouco mais tarde no teatro, porque toda a estrutura já estava montada.
Estava marcado para às 11h a chegada de toda equipe mais a montagem do Back Drop (aqueles painéis que as pessoas param para posar para fotos e entrevistas), a montagem do catering e a chegada dos carregadores. Como tudo estava no horário – inclusive os carregadores – conseguimos até tomar um café no shopping.
A partir das 13h seria feita a mudança de posição de câmeras e grua. Como teríamos público, essa nova disposição de captação seria importante para fazer cenas não apenas do palco, como também da plateia.
E desculpem, mas em noite de Beyoncé em São Paulo, nós estávamos com o teatro super lotado!
De tarde faríamos a gravação da participação da dupla “Victor & Léo” - que passaria apenas algumas horas em São Paulo, vindos de um show e correriam para o sul do Brasil onde tinham outro compromisso na mesma noite. Realmente uma dedicação muito especial e que mostrou que realmente existe uma grande admiração deles por Sergio e Renato.
A equipe da dupla chegou pela manhã e já deixou tudo pronto. Nem quiseram ficar parados esperando a dupla com medo de cair no sono. Estavam acordados desde o dia anterior e teriam que aguentar mais umas doze horas para só então dormir.

Como um capítulo de novela
Os músicos chegaram para um check line (digamos que seja uma rápida passagem de som) às 13h e uma hora depois estava marcada uma reunião geral para que pudéssemos alinhar a dinâmica do show da equipe e definir como seria o processo de gravação.
Em uma gravação o show não ocorre de uma forma normal. Ele sofre algumas paradas, porque tudo precisa funcionar perfeitamente e tem que valer tanto para a captação de áudio como de imagem.
O figurino, por exemplo, não pode sofrer mudanças. Se houver dois ou mais dias de gravação, até mesmo detalhes como um relógio, uma pulseira, precisa ficar igual ao primeiro dia. Tudo isso para que possam fazer edições com continuidade de imagem. É como um capítulo de novela, certos detalhes não podem mudar de um dia para outro. Um erro de letra, mínimo que seja, também é motivo para ter que refazer a música ou uma falha no violão ou num cabo qualquer.
Foi decidido que as “refações” seriam feitas após o show, assim tentamos parar o menos possível. De 22 canções foram refeitas apenas cinco, o que é ótimo! Sergio e Renato encerram a reunião agradecendo o empenho e dedicação de todos, e pedindo que fossemos um grande time para que o show fosse incrível.
Hora de passagem de som para acertar algumas canções que ainda precisam ser alinhadas e meia hora de pausa para colocar o figurino do show, antes da chegada do Victor & Leo que estava marcada para 16h. No horário esperado nada da chegada da dupla. Tentativas de telefonema e caixa postal. O vôo tinha atrasado e uma chuva daquelas caía em São Paulo. E agora?

Mais tensão

Após mais de uma hora de atraso eis que chegam. Nossa preocupação, no entanto, não era com o nosso cronograma, mas porque sabíamos que eles teriam que terminar a gravação até 18h, tempo para que pudessem pegar o vôo para o sul do país. Eles chegaram ao teatro já passada das 17h... Pensam que eles estavam com pressa?
Trocaram de roupa, aqueceram a voz, receberam os empresários no camarim e desceram para gravar. Eles fizeram tudo na maior boa vontade e até tempo para entrevista eles arranjaram. Louvável o comportamento. Problemas nos cabos novamente atrasaram a gravação e mesmo assim eles não perderam o bom humor.
Com participação em duas músicas, entre pausas e ajustes, até que tudo ficasse perfeito foi quase uma hora de gravação. Concluída essa etapa, sem tempo para jantar, faltava o show!

Vejam o making of do Victor & Leo


Com a chuva em São Paulo houve muito atraso na chegada do público e o show que estava marcado para 21h 30 começou depois. Cada minuto que passa e a tensão aumenta e o caos se forma novamente. É a imprensa querendo cinco minutos do artista, convidados que são barrados no credenciamento, o rádio HT que não para de falar no nosso ouvido. De um lado da minha orelha um rádio HT conectado com a segurança da casa para liberar os credenciados e resolver situações de última hora e na outra orelha, outro radio HT para comunicar com o staff de produção (em média 20 pessoas conectadas) e a gente ainda precisa prestar atenção no que acontece em volta.
A dor de barriga vem mesmo quando você ouve no rádio:
• 10 minutos para começar
• Blackout no palco (apagar completamente as luzes para que a banda possa se posicionar)
• 05 minutos para começar
• Artistas na coxia
• 01 minuto para começar
• Sergio e Renato entram no palco.
• Era agora ou nunca.
E assim começou o show com os grandes clássicos. Tocaram Comitiva Esperança, Amanheceu, peguei a viola, Menino da Porteira, Amora, entre outras... O show teve vários momentos engraçados, afinal de contas estamos falando de dois contadores de histórias. Aliás, o clima era o mesmo durante a passagem de som.

Surpresa e emoção sertaneja

O Sergio nem poderia imaginar e mantemos em segredo o máximo possível para que a ideia não vazasse. No meio do show o Marco Bavini faria uma participação na música “Filho Adotivo”, já que ele não estava tocando ao lado do pai e do irmão Paulo presentes no palco. A ideia era colocar Bavini no lugar de alguém da platéia numa música antes da homenagem e, no momento certo, ele entraria cantando levantando-se da plateia.
Durante a manhã, marcamos o assento que deveria ser trocado, também combinamos com os iluminadores que um foco de luz seria acesso nesse momento. Era só aguardar. Confesso, eu estava nervosa. Tinha como missão pedir para a pessoa que estava sentada no banco escolhido que, gentilmente, cedesse o lugar alguns minutos para a surpresa.
Quando o público começou a entrar na platéia meu foco era esperar que o lugar fosse ocupado. O tempo passava e nada. Apenas poucos minutos antes das luzes serem apagadas é que finalmente avistei a pessoa que nos ajudaria na missão. E ajudou na maior boa vontade.
O Marcos? Era uma pilha de ansiedade e andava de um lado para o outro tomando doses e doses de Cinzano e eu do outro lado contando os minutos para que o momento chegasse logo. Minha maior preocupação era que o Sergio Reis não notasse a troca de pessoas, pois a iluminação da plateia era super clara.
Lá estávamos tentando não aparecer. Era o dono do assento agachadinho de um lado, o Marcos agachado do outro. Que belo momento quando as luzes se acenderam e lá estava o Sergio procurando de onde vinha a voz. Quando viu o filho, é claro que as lágrimas caíram e Marco caminhou até o palco e terminou a música junto com todos.

Momento pessoal
A segunda parte emocionante do show marcou de maneira pessoal a mim. Quando o Renato Teixeira gravou seu DVD em 2006, uma das maiores emoções que já tive, foi ter visto o compositor Pena Branca cantando aquelas modas de viola que minha avó e bisavó ouviam quando eu era criança. Pude abraçá-lo e agradecer por fazer parte de uma fase tão linda da minha vida.
Menos de quatro anos depois, pude passar alguns instantes ao lado do Tinoco que seria homenageado durante o show. E claro, não perdi a chance de abraçá-lo e agradecer também por ter sido minha trilha sonora durante a infância. A crítica de André Piunti para UOL também destacou esse momento:
“(...) um dos acontecimentos mais emocionantes da noite aconteceu longe da dupla. Em um dos intervalos entre uma música e outra, Sérgio Reis anunciou que o cantor Tinoco, 89, estava na platéia e o agradeceu por sua importância na música sertaneja. O público se levantou e ovacionou o cantor, que acenava sorridente.”
E as últimas músicas do show foram daquelas para arrancar lágrimas da gente: Violeiro toca, Tocando em frente, Romaria, Preciso ir embora... O que mais impressionou é que o público não arredou o pé do teatro nem na hora das “refações”. Foi sensacional!
Trabalhar com música traz essas recompensas. Sempre sobre um tempinho para fazer novas amizades ou reencontrar pessoas muito bacanas. A gente sofre, aprende, cresce e amadurece. São dias e dias de tensão, sem dormir ou comer direito.
O corpo pede descanso, mas quando acaba o coração fica vazio. Basta acordar no dia seguinte para sentir saudade de tudo e relembrar certos momentos, como:
- O músico João Lavraz que não havia percebido a confusão com o violão da Paula Fernandes;
- Chico Teixeira que teve que beber cerveja quente;
- Dudu Portes que mostrou as fotos dos seus lindos cachorros;
- As piadinhas via rádio HT que sempre acontecem, mesmo com a bronca dos chefes;
- Sem contar o Marcus Ardanuy, nosso super roadie que foi fumar escondido na saída de emergência e ficou trancado do lado de fora. Teve que pedir ajuda pelo rádio HT, foi gargalhada geral.
Existem equipes as quais me sinto privilegiada por trabalhar pela primeira vez ou reencontrar. Queridos roadies, técnicos, produtores, músicos, o prazer em trabalhar pela primeira vez com o Sergio Reis (que não deixou de fazer uma gozação com o meu tamanho – ou a falta dele) e o Renato Teixeira que é simplesmente de carne e osso e que eu admiro demais.
Espero que esse relato tenha transportado vocês para o meu local de trabalho. O trabalho está previsto para chegar às lojas em maio, porque agora começa o trabalho de pós-produção:
Pagamento de fornecedores + edição de imagens + mixagem de áudio + fechamento de ficha técnica + autoração + arte de capa e um monte de outros processos burocráticos! Ai, ai, ai... não tem fim!
“Fabi, li o seu trepidante relato! Do nosso lado o bicho também pegou. Um projeto desses é uma lição de vida, pois precisamos lidar com todas as reações humanas possíveis. Particularmente acho que tudo pode ser mais preciso se o dia fosse ampliado de 24 para 48 horas. A velha medida do tempo é que nos atrapalha. O conceito dia-noite, já era, faz tempo e a gente continua vivendo sob a ditadura desse fuso horário milenar e que já não comporta o pique da vida moderna. Todas as cidades com mais de um milhão de habitantes deveriam compor seu cotidiano com um sol e uma lua. Ficaria bem mais cômodo. Principalmente para nós, que lidamos com esse tipo de evento.
Todos os produtores do mundo poderiam se juntar numa campanha a favor da "revisão operacional das horas", pois, sem dúvida nenhuma, vocês são os mais prejudicados.
No mais muitos beijos e deixo aqui louvada a garra que você demonstrou subindo e descendo aquelas escadas o tempo todo para que tudo desse certo. As pessoas podem até não perceber, mas os aplausos finais são divididos igualmente entre todos nós que, de uma forma ou de outra, realizamos o espetáculo. Não só nesse que realizamos como, também, em todos os outros espetáculos da terra!
bjuz e gracias.
seu amigo, renato t.”
Fabiana Cardoso é jornalista, produtora e mantém a coluna Penetra Oficial neste Nota de Rodapé. Leia o texto Cena I, relatos de uma megaprodução.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics