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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Estreia: Território Europa de Sergio Denicoli

Os bebês que vêm de Paris

Na Europa a lenda diz que os bebês são feitos em Paris e distribuídos pela cegonha. Entre os brasileiros a ave é bem conhecida, mas a história de que seríamos fabricados na cidade-luz não nos soaria bem. São muitos quilômetros de distância e o pobre animal não suportaria tão pesada viagem. No entanto, no Brasil dos novos tempos, da grande potência econômica, do lulismo desmedido, não poderíamos ficar aquém dos nossos companheiros e companheiras do outro lado do Atlântico. Se as cegonhas não suportam a viagem de Paris aos trópicos, vamos ajudá-las a transportar as encomendas comprando os caças do presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Apenas o mundo da fantasia pode explicar os gastos de mais de 12 bilhões de reais, anunciados pelo Brasil, para adquirir aviões de guerra fabricados na França. No seu delírio, o governo tenta justificar a negociação dizendo que não vai comprar apenas caças, mas sim transferência de tecnologia. Só que os próprios jornais parisienses deixam claro que estamos caindo no conto do vigário. Destacam que o ciclo de vida de um avião de combate é de 40 anos. Dizem que, com os 36 caças que devem ser comprados, o Brasil estará equipado até 2050 e, até lá, a tecnologia das aeronaves estará mais do que superada.
A Dassault Aviation, companhia que fabrica os aviões, foi profundamente atingida pela crise e os franceses ficaram impressionados com os frutos do potente lobby de Sarkozy. Ele conseguiu do presidente Lula uma garantia diplomática de preferência, em detrimento aos dois outros concorrentes, os Estados Unidos e a Suécia, que apresentaram propostas mais baratas e tecnicamente melhores, conforme relatório da própria Força Aérea Brasileira. Com a transação em vias de ser concluída, não apenas a empresa será salva de um grande colapso, mas também será garantida a geração de 5 mil empregos na França, com o dinheiro suado dos brasileiros.
Com o valor a ser gasto, o Brasil poderia contratar a mais competente equipe de técnicos e pesquisadores do mundo, para desenvolver uma tecnologia própria. Poderia ainda investir na formação de cientistas brasileiros, projetando o futuro do país com base em educação e não em ilusões militares, que parecem vindas dos filmes de guerra de Hollywood. Algo completamente distante da vocação brasileira.
A guerra que o Brasil tem que vencer é contra os seus traumas, a sua polícia corrupta, as fronteiras mal vigiadas - por onde passam drogas e contrabando, a violência e a corrupção política. Mas, no super Brasil, propagado por um marketing com base em números e não em dados sociais, os nossos grandes problemas são meros detalhes. Nas tabelas dos economistas estamos à frente de muitos países desenvolvidos e precisamos deixar isso claro, posando para a foto com a Torre Eiffel ao fundo. Portanto, é melhor esquecermos os relatórios técnicos, pois o que importa mesmo é que os bebês brasileiros também venham de Paris.

Sergio Denicoli é jornalista e pesquisador de mídias digitais na Universidade do Minho, em Portugal. Estreia hoje sua coluna Território Europa no Nota de Rodapé

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