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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Exclusivo: Paulinho Moska e um beijo de línguas com trilha latino-americana

Sabe aquela história do Efeito Borboleta, de que o simples bater das asas de uma borboleta pode provocar um tufão do outro lado do mundo? Pois a borboleta dessa história é uma fã que vai ao show de um cantor e entrega a ele um disco de músicas. O ano é 2003, o cantor e apresentador do programa Zoombido no Canal Brasil é Paulinho Moska, e as músicas são de Jorge Drexler. Foi amor à primeira vista. Moska ouviu ‘La Edad del Cielo’, se apaixonou, quis fazer uma versão. Procurou o tal uruguaio que cantava a canção. Daí surgiu uma amizade, que virou parceria, que virou uma rede de contatos com outros músicos latinos, que virou o que hoje pode ser classificado de um movimento musical de aproximação entre o Brasil e os vizinhos. Em entrevista exclusiva ao Nota de Rodapé, na coluna Conexsom Latina do jornalista Ricardo Viel, em meio à gravação de seu novo disco, “Muito Pouco”, Moska conta como, munido de poesia e melodia, vem buscando recuperar esse sentimento sul-americano adormecido entre nós. “Essa ponte deve ser construída”, diz o carioca Paulinho que vê na generosidade do brasileiro consigo mesmo o motor para admirar a diferença e celebrá-la. E sentencia: “Gosto de gente multifuncional, tenho horror à especialista”. Chega de enrolar, com a palavra: Paulo Corrêa de Araújo.

NR - É exagero dizer que não nos sentimos pertencentes ao continente latino-americano quando o assunto é música? Tem algum palpite para que isso aconteça?
O Brasil não é um país, é um continente. Existem muitos "brasis" dentro do Brasil. Fomos cunhados pela diversidade das raças, das culturas e das tradições. Índios, negros e brancos. A língua portuguesa unificou esse território continental e seu povo mulato passou a se orgulhar da admiração que tem de si mesmo. Celebramos essa multicultura em comunhões de festa e alegria. Isso nunca aconteceu em nenhum lugar do mundo e em nenhum tempo. O Brasil é um acontecimento inédito na história do Homem. Aqui, diante do contato direto com a diferença, a palavra "tolerância" foi sendo substituída por "admiração". Isso nos tornou, ao mesmo tempo, generosos e narcísicos. Com a música brasileira isso acontece também. Tanta variedade de ritmos e significações (religiosas, políticas, poéticas...) nos transformou num povo ufanista e feliz. Talvez aliado à uma rixa demasiadamente radical no futebol...ou pela invasão de Búzios... ou pelas novelas mexicanas...e até pelas piadas que surgiram com o tempo...o preconceito com a língua latina (e consequentemente com o povo e sua cultura) ficou tão comum que aconteceu quase que uma anulação do sentimento sul-americano no Brasil. O tango, o bolero, a salsa...tudo foi colocado numa gaveta da história, e nessa gaveta estava escrito: coisas do passado ou coisas "bregas" que não nos interessam. Eu mesmo cresci nessa atmosfera e não dava a mínima pros "hermanos"... mas isso é uma grande tolice. A ponte deve ser construída. Pelos mesmos motivos que apontei acima acredito que essa ponte deve ser feita por nós, brasileiros, já que temos uma grande capacidade de admirar a diferença e celebrá-la com arte e poesia. A generosidade do brasileiro consigo mesmo deveria ser estendida à toda América Latina. Num futuro "mezclado", a América poderá ensinar ao mundo como unir diferentes paradigmas através da admiração, e não da tolerância.



NR - Cada vez que saio do Brasil e visito os amigos que tenho na América Latina volto com mais certeza de que temos muito mais em comum com eles do que imaginamos. Às vezes, as mesmas piadas, os mesmos sonhos, as mesmas inquietações... No que você vê semelhanças e diferenças entre nós?
Também são mulatos, mistura de indígena com branco, e negros também. Eles se comunicam facilmente através de uma língua sofisticada (muito parecida com a nossa) e cheia de poética, vibram com as festas e com suas tradições e são muito carinhosos. São semelhanças significativas e evidentes de que somos hermanos, habitantes de um mesmo território, onde as fronteiras são apenas linhas imaginárias administradas por homens comuns em cargos públicos. Minha casa é onde estou. As diferenças também são muitas e é justamente por isso que a mistura é interessante. Eles me parecem ter uma relação mais estreita com a política e isso se reflete também na relação humana. E são muito educados e respeitosos, de um modo diferente. É outra beleza, outra alegria, outra energia. Mas ainda assim: Beleza, Alegria e Energia, qualidades indispensáveis na felicidade da vida.
 


NR -Você, com seus trabalhos, busca essa aproximação com os vizinhos. Pode comentar como começou esse contato? Hoje você faz tantos shows e é tão conhecido lá fora como aqui?

Durante as gravações do meu disco "Tudo Novo De Novo"(2003), depois de um show em São Paulo, recebi de uma fã (hoje, amiga) um disco com uma coletânea não oficial de Jorge Drexler. A primeira música ("La Edad del Cielo") me pegou instantaneamente quando a ouvi. Não só a canção em si, linda, mas a voz que a cantava (me remeteu à tranquilidade de João Gilberto) e o arranjo como soava (pop, mas com cheiro de terra, e não de Mc Donald's). Sempre digo que foi a beleza dessa canção e do trabalho do Drexler (letra e música) que me levaram para a América do Sul e para a língua espanhola. Jorge me apresentou a Kevin Johansen e a Pablo Casacuberta (diretor de cinema que trabalha comigo no Zoombido). Hoje tenho alguma intimidade com o mundo latino, mas estou longe de ser um artista tão conhecido como no Brasil (mesmo aqui, sei que não tenho essa visibilidade toda...gosto de caminhar devagar). Tenho me apresentado com relativo sucesso no mínimo uma vez por ano no Uruguai, na Argentina e no Chile. Fui à Espanha três vezes. Em 2008 organizei o Festival Mercosul no CCBB de Brasília juntando artistas argentinos, uruguaios e brasileiros. Jorge Drexler com Arnaldo Antunes, Kevin Johansen com Paula Toller, Pedro Aznar com Celso Fonseca e Bajofondo Tango Club com Vitor Ramil. Foram 16 shows em um mês de encontros que eu chamei carinhosamente de "Beijo de Línguas".



NR -Você é um cara que tem no seu trabalho influências estéticas muito fortes de artes plásticas, pintura, literatura. Seu “namoro” com os vizinhos vai além da música? De certa forma esse seu lado de não resolver as músicas de forma convencional faz do seu som algo mais restrito a um certo público?
Trabalho um mês por ano com nove uruguaios no Zoombido. São filmadores, diretor de arte, fotógrafos, eletricista, etc... Cada um deles tem outra atividade (um canta numa banda de rock, o outro escritor, a outra é bailarina profissional...). Gosto de gente multifuncional, tenho horror à especialista. A superficialidade permite que voemos para diferentes planetas. E a percepção é como o universo: não tem limites e é cheia de mistério. O clínico geral tem se tornado o grande equilibrista dos especialistas. A combinação de paradigmas é que compõe o todo. Eu não componho para um público restrito, minhas canções são simples e de fácil entendimento. Eu faço música popular, com refrão e formato de rádio. Meu som é restrito para quem se interessa em me ouvir. Faço a música que gosto...e fico feliz que outros gostem também.


NR - Vê mais alguém no Brasil que tenha uma conexão tão frequente, um intercâmbio como o que você tem com a música da América Latina. Como fazer essa ponte ser mais recorrente? Além dos caras com quem já gravou (Drexler, Pedro Aznar, Johansen) tem mais gente com quem gostaria (ou está a ponto) de fazer parcerias?
Ultimamente, não tenho conhecimento de alguém que esteja tão ativamente conectado com a América Latina quanto eu tenho estado. Mas muitas conexões devem estar sendo feitas sem que tenha espaço para se manifestar. Lenine gravou com Julieta Venegas, que gravou com Jaques Morelembaum. Kevin e Aznar gravaram comigo para meu próximo álbum ("Muito Pouco") que sairá em Maio. Escrevi e gravei uma versão de uma linda canção ("Nube") de um chileno maravilhoso (Nano Stern). E o Bajofondo tocou em duas outras faixas. Meu disco novo terá uma relação muito estreita com a língua e os artistas sul-americanos que conheci. Outro que gosto muito é Lisandro Aristimuño, da Argentina. E Fernando Cabrera, do Uruguai. Com esses dois ainda não trabalhei, só toquei em participações nos shows.



NR - Como é a história da versão que o Pedro Aznar fez de Saudade? Ele queria falar com você em Buenos Aires, mas não te encontrava. Fazia a versão da música no quarto do hotel torcendo pra você ligar pra ele, mas acabou por terminá-la sem conseguir te achar...

Eu estava em Buenos Aires gravando com ele e ensaiando o repertório do show que tínhamos no dia seguinte. À noite, depois do ensaio, ele escreveu uma versão em espanhol (Pedro é muito bom versionista!) para "Saudade", parceria minha com Chico César gravada recentemente por Maria Bethania. Eu tinha saído com Kevin para jantar e depois fomos numas "milongas" escutar tangos e ver os casais dançarem. E bebemos muito. Cheguei no hotel às 3:10 da manhã e havia um bilhete embaixo da porta dizendo que Pedro queria falar comigo. Não liguei porque já era tarde e pensei que o Pedro ia mudar alguma coisa no roteiro do show dia seguinte. Quando acordei (meio-dia) telefonei para Mr. Aznar e escutei a linda versão de nossa palavra intraduzível: Saudade. Ele tinha ido dormir às 5 da manhã, depois de trabalhar muito na versão. E eu dormi antes dele.
 


NR - Pode antecipar alguma coisa do novo trabalho. Tem mais parcerias com gente de lá de fora, não? E o Zoombido, a fórmula é a mesma das temporadas anteriores? Vai ter novidade?
Ih, já falei demais do disco novo...daqui a pouco não tem mais surpresa!!! Chico César e Maria Gadú também participam. E vou gravar três parcerias minhas com Zélia Duncan. O Zoombido é time que está ganhando...a novidade vem dos convidados. Nós garantimos a qualidade do olhar e do som. E chega! (rs)

Ricardo Viel é jornalista e mantém a coluna Conexsom Latina neste Nota de Rodapé

3 comentários:

Unknown disse...

Peeense se uma conversa dessas não combinaria perfeitamente com uma mesa de bar??
Amei! Sou fã! Daquelas bregas mesmo! E assumida! rs

Gabriel disse...

Elis, me convida pra esse papo no bar!!
Muito bom! abraços!

Pablo Solano disse...

E quem seria o artista hispano-americano que mais busca conexões com a música brasileira? Os já citados Jorge Drexler e Kevin Johansen ou algum outro?

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