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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sábado, 20 de março de 2010

Os últimos dias de Sandoval Herculano nas Terras do Taperebão


Amanhã tem o
sorteio do livro do colunista do Nota de Rodapé Izaías Almada. Serão 5 exemplares autografados do autor.

Sandoval era comunista. Ou melhor, carregou o estigma pelo resto da sua vida. Na verdade nunca soube o que era isso. Apenas achava que quem trabalhava a terra de sol a sol, mais dia, menos dia, tinha que possuir um pedacinho de seu para cultivar. Costumava dizer isso ao pai e aos dois irmãos que iam com ele trabalhar lá para os lados do Taperebão. Foi nos anos em que um tal de Jango foi presidente do país, logo depois que sua mãe morreu. “Deus esqueceu o Taperebão”, costumava dizer. O diabo, nem conheceu.
Filho mais velho de Milagres e Tenório Mariano, Sandoval cresceu tangendo e marcando gado numas terras que ninguém sabia muito bem de quem eram, mas que um tal de Zaqueu Totonho cercou e mandou um grupo de vinte homens armados vigiar. Cem hectares ao todo. Outros diziam que as terras eram do governo. Sandoval tinha também uma irmã, a caçula Marieta. Era ela quem tomava conta da casa. Quando a mãe morreu, Marieta tinha onze anos de idade e ficou mulher naquele ano mesmo.
Foi tudo muito rápido.
As ideias foram chegando por entre o mato e foram se ajeitando pelas vendas, nas conversas de beira de estrada e na cabeça do pessoal. A terra tinha que ser dividida. Tal qual no pensamento de Sandoval. Era preciso organizar os homens que trabalhavam a terra. Formar um sindicato. Zaqueu Totonho reuniu seus capangas e seus trabalhadores e disse que quem estava espalhando aquelas ideias era um pessoal chamado de comunista e que tinha ligação com os políticos da capital. Gente aparentada com o demônio. Sandoval ouviu o falatório de Zaqueu Totonho e pensou discutir o assunto em casa na hora do jantar. Não pôde.
Naquela noite não teve jantar. Marieta tremia de febre e tinhas as roupas e as pernas ensangüentadas. Foi gente do Zaqueu, disse a menina. O pai de Sandoval foi chorar escondido junto a cisterna. Os outros dois irmãos deram banho na irmã, trocaram a sua roupa e rezaram para Nossa Senhora do Amparo. Sandoval jurou vingança. Três dias depois apareceu com Marieta no Taperebão, a cavalo. Cheiro de sangue. Sandoval era homem sem medo. Um dos capangas de Zaqueu tentou interferir e foi abatido com uma foiçada na testa. O verdadeiro culpado não teve tempo para correr. Um tiro na nuca e outro no pulmão esquerdo. Zaqueu Totonho soube de tudo e considerou que a honra da menina estava lavada. Deixou que o pai de Sandoval e os irmãos continuassem trabalhando para ele, mas espalhou a notícia de que os comunistas é que tinham criado aquela situação.
Sandoval e Marieta nunca mais foram vistos no Taperebão. Dizem que ela é professora primária no Estado de Tocantins. Sandoval foi ser motorista de taxi em Belo Horizonte e Zaqueu Totonho foi eleito deputado estadual e vice-governador de Minas Gerais.

Izaías Almada
é escritor e dramaturgo e o conto acima foi tirado do livro MEMÓRIAS EMOTIVAS, Ed. Mania de Livro.

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