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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Dois pesos e duas medidas

Aprendi com mestres e inspiradores, nas salas de aula e redações, que jornalistas atentos devem sempre apurar informações criteriosamente. Incluindo, claro, as fontes. Sejam “vivas” ou documentais.
Partindo desse raciocínio, imagina-se que veículos de comunicação e profissionais sérios utilizariam fontes confiáveis, o que deveria ser pré-requisito e não mero detalhe. No entanto, a cada edição veiculada em boa parte da imprensona, isso parece se tornar algo dispensável nas redações, ou pela busca do furo jornalístico ou por interesses diversos, na maioria das vezes, político-econômicos.
Nesta quinta-feira, destaque da Folha de S. Paulo e objeto de reportagem do grupo Globo – além de passar por várias emissoras de TV e rádio – o consultor Rubnei Quícoli declara que tentava obter financiamento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e acusa o filho da ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, de nome Israel Guerra, de fazer tráfico de influência (o famoso lobbie) e solicitar comissão como “mediador” do negócio. Ele denuncia, ainda, que a propina supostamente pedida iria para o PT, financiando a campanha da candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff. Porém, seria a fonte confiável? E mesmo que suas informações se confirmem, todos os lados foram devidamente apurados?
Já em entrevista ao site de O Globo, Quícoli afirma não ter provas sobre o dinheiro que teria como destino o PT. Diz que apenas ouviu a informação do ex-diretor dos Correios, Marco Antonio Oliveira. Algo tanto estranho numa “reportagem investigativa”. Tão grave quanto ocorre com a omissão de fatos. Alguns detalhes, ao menos em princípio, não foram contados sobre a “fonte”. E, sabe-se bem, o impacto do que vem depois nunca é igual ao da “notícia bomba”.
Homem de extensa ficha criminal, em 2000, o consultor foi acusado de receptação de moeda falsa num posto de gasolina, em Campinas. No local, a polícia apreendeu com ele sete notas de R$ 50,00, todas falsificadas. Em 2003, foi denunciado, segundo a Justiça, “por ocultar em proveito próprio e alheio uma carga de dez toneladas de condimentos”, que Rubnei alegou “sabia ser produto de crime de roubo". Condenado por crimes de receptação, coação e roubo de cargas, no ano de 2007, passou cerca de dez meses na prisão.
A “fonte” declarou que foi filiada ao PSDB e que, neste ano, votará em José Serra para presidente. No mesmo dia em que foi personagem principal de veículos do que alguns já chamam de “velha mídia”, gravou depoimento para o programa do tucano.
Mostrado em fotos estouradas nas páginas de jornalões e sites, se dizendo estarrecido com a cobrança de propina, o consultor é mostrado como um sujeito impoluto, merecedor de credibilidade irrestrita.
Nestas linhas, não pretendo questionar Quícoli porque cometeu crimes e foi preso. Se assim o fizesse, seria incoerente com a postura de acreditar na reabilitação do ser humano e entraria na onda da turma que condena pessoas eternamente por deslizes passados. Tampouco quero desmerecê-lo por preferências partidárias. É da democracia que as pessoas façam escolhas, concordemos com elas ou não.
Contudo, é inaceitável trazer à tona “informações” de uma fonte que faz acusações, sem provas, em um momento oportunista, num cenário eleitoral. Pior é esconder do cidadão, na vertente jornalística (???) que tanto prega “que o público tem o direito de saber”, as ligações e a história da figura, de interesse tão óbvio à candidatura tucana.
São, de fato, dois pesos e duas medidas. Levanta-se tudo sobre um lado da disputa e omite-se o máximo de outro. Há, realmente, cheiro de tentativa desesperada para virada de mesa. Depois, os pretensos “ouvidores da sociedade” e “porta-vozes da opinião pública” gritam que os blogueiros é que são sujos e repudiam quem chama a velha mídia de partido golpista.

Moriti Neto é jornalista e colunista do Nota de Rodapé.

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