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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O outro lado da jaula

A 29ª Bienal de SP termina dia 12 de dezembro e até lá, de 2ª a 4ª feira: das 9 às 19h; 5ª e 6ª feira: das 9 às 22h e sábado e domingo: das 9 às 19h, é possível visitá-la de graça, no parque do Ibirapuera. No texto abaixo, especialmente para o NR, o jornalista André Bertolucci escreve a respeito.

A incômoda sensação de estar sendo observado e não apenas observar é recorrente nesta 29ª Bienal, que tanto estardalhaço já vem causando, por motivos outros. E não é uma mera inversão de sujeito e objeto com fins puramente estéticos e/ou lúdicos. É como o assombro de estar sendo seguido, solicitado, assaltado, perseguido. É o saber-se presa e não predador.
Os urubus-rei da polêmica obra Bandeira Branca, de Nuno Ramos, que ocupa o átrio central dos três andares do pavilhão - para além do protesto dos ambientalistas com o confinamento de seres vivos e da relação de amor e ódio entre curadoria e pichadores – talvez sejam a expressão mais óbvia desta sensação nada alentadora.
Os três urubus estão ali prostrados sobre as esculturas sonoras que constituem a instalação e o significado de tais aves pairando no alto de nossas cabeças todos podemos pressentir. É o mal agourento sentido da rapina, da sobrevivência sobre nossos restos mortais. Por mais que acusem (os ambientalistas) a morte por inanição dos bichos, sabemos que a tocaia é sobre nossas carcaças. Eles sobreviverão a nós e de nós. Quem está observando e esperando na serenidade que prenuncia nossa inexistência?
Outra obra na mesma chave é a instalação intitulada Beggars (literalmente: mendigos) do artista turco Kutlug Ataman: onde seis pedintes em primeiro plano são projetados simultaneamente em tamanho gigante numa sala escura. A expressão em seus rostos é agonizante e terrivelmente conhecida. São os parias de nosso dia-a-dia. A sensação de sobreviver de nossos restos é novamente esfregada em nossas caras, desta vez, em outra leitura.
Para não deixar de citar outras obras consagradas como a tela Língua Apunhalada, de 1968, de Lygia Pape que já choca o incauto visitante logo na entrada do pavilhão e o famoso manto Seja Marginal, Seja Herói de Hélio Oiticica, novamente nos convida à reflexão sobre os excessos da sociedade e sua cerca de arame-farpado que separa centro e periferia.
Tudo parece nos anunciar que é chegada a hora do levante! Quem observa e quem é observado nesta separação perversa de incluídos e excluídos? Quem será que há de navegar o copo de mar negado para uns, conforme prediz o verso de Jorge de Lima, utilizado como lema desta Bienal sobre “arte e política”?
Sensibilizemo-nos antes de sermos devorados!

André Bertolucci é jornalista (twitter: @cafepequeno)

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