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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

México: um morto que vale por 40 mil

Desde que o presidente do México, Felipe Calderón, deu início a uma cruzada contra o narcotráfico no país, em 2006, mais de 35 mil pessoas morreram nessa guerra – há, pelo menos, mais 5 mil desaparecidos. Na semana passada, sete jovens foram torturados e mortos na cidade turística de Cuernavaca (cerca de 90 km da Cidade do México). Poderia ser “apenas” mais uma chacina não fosse o fato de que um dos mortos era Juan Francisco Sicilia Ortega, de 24 anos, filho do poeta e jornalista Javier Sicília.
Há anos o governo distorce e maquia números para tentar convencer a população de que, nessa guerra, só quem está envolvido com os “narcos” perde a vida. A tese, que há muito tempo vem sendo contestada, acaba de receber o golpe final. Desta vez será impossível transformar a vítima em culpado.
Após a morte do filho, Sicilia convocou os mexicanos a protestarem. Pediu para que as ruas fossem ocupadas por um basta à violência. Na quarta-feira (6), o escritor encabeçou uma marcha em Cuernavaca que reuniu mais de 20 mil pessoas. A manifestação se repetiu em outras 22 cidades e já há novos atos programados. Calderón pode ser colocado em xeque por uma morte que vale por 40 mil.
Em uma carta aberta aos políticos e criminosos do país, Sicilia fala em nome de 110 milhões de mexicanos: “Estamos hasta la madre”. A expressão, muito corriqueira no país, significa estar farto. O México já não aguenta mais tanta corrupção, tanta violência, tanta impunidade, diz o escritor. Após atacar os governantes, ele pede aos narcotraficantes um mínimo de dignidade: “Antigamente, vocês tinham código de honra. Não eram tão cruéis em seus ajustes de conta e não encostavam nos cidadãos e nem em suas famílias. Agora, já não distinguem. Perderam, até, a dignidade para matar.”
Quando recebeu a notícia do assassinato, o escritor estava nas Filipinas. No avião de regresso, escreveu um poema, que leu publicamente na praça da cidade onde mataram o filho. Depois, anunciou que aquele havia sido seu último poema. “Não posso escrever mais poesia. A poesia já não existe mais em mim”.

El mundo ya no es digno de la palabra
Nos la ahogaron adentro
Como te asfixiaron
Como te desgarraron a ti los pulmones
Y el dolor no se me aparta
Sólo queda un mundo
Por el silencio de los justos
Sólo por tu silencio y por mi silencio, Juanelo.

Eu estive no México por um mês no começo do ano. Vi um país militarizado, assustado e uma população que se sente refém de uma violência que parece não ter fim nem razão. A sensação que tive ao tentar me informar sobre os acontecimentos é que já é impossível distinguir quem está matando quem e por quê. Por sorte, ainda há o sentimento de indignação.

Ricardo Viel é jornalista, colunista do Nota de Rodapé

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