.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Corre pra onde?

A bola veio alta, passou pela minha cabeça e pensei que se esticasse a perna bem rápido conseguiria alcança-la antes dela quicar e se perder pela linha de fundo. Foi o que fiz. A jogada deu certo, consegui mandar a bola para o meio da área, onde deveria haver algum companheiro do meu time para fazer o gol. O problema foi depois, quando a perna esquerda, que estava no ar, teve que aterrissar. Eu estava rápido, com o corpo meio torto, e o peso todo foi parar só naquela perna. O pé ficou preso na grama, o corpo girou e eu ouvi um barulho seco, como de borracha arrebentando.

Faz três meses que rompi o ligamento cruzado anterior. Sem ele o joelho não funciona. Passei semanas tomando remédio para amenizar a dor, com a perna imobilizada e andando com muletas. Então veio a cirurgia, parafusos para fixar um tendão que vira um ligamento e mais semanas de repouso, remédios e muletas.

O passo seguinte (no qual me encontro) são as sessões de fisioterapia, muitas. Como a perna ficou muito tempo imóvel, ela perdeu massa muscular e, por consequencia, força. É preciso, então, recuperar a musculatura para reaprender a andar. Sim, reaprender a andar.

O que parece tão banal, tão natural, é custoso no início. Calcanhar primeiro, logo o pé todo e depois ir tirando o pé do chão até sobrar só a ponta. E tem que dobrar o joelho. Nessa fase não há outra preocupação no mundo a não ser andar de forma correta. Você caminha (ou tenta) sem pensar em mais nada, só em caminhar.

Passei por um período difícil, mas que teve um lado bom. Fui obrigado a desacelerar. Toda atividade, por mais banal que fosse (como calçar um tênis), requeria esforço e concentração. Eu fazia tudo com lentidão, com calma. Um amigo chegou a dizer que eu transmitia calma, sabedoria, como quem não administra o tempo, sem pressa.

Mas então, aos poucos, fui readquirindo a mobilidade, retomando a vida normal (insana) e perdendo essa tranquilidade, essa obrigatoriedade de dar o tempo para as coisas. E voltei, por exemplo, a calçar o tênis pensando que preciso comprar filtro de café no supermercado.

E agora já me pego, de novo, calculando os minutos para saber se vou chegar atrasado, se dá tempo de tomar banho antes de sair de casa, se consigo passar no banco antes de chegar no trabalho.

Ainda manco um pouco, e sinto alguma dor no joelho, mas já recuperei a pressa que tinha antes e a obsessão em não perder tempo. Parece que de toda aquele período de repouso obrigatório, de reflexão, não restou nenhum ensinamento. Já me esqueci do quão complexo é caminhar, e de que no meu corpo existe um ligamento, um emaranhado de fibras, que se romper...

Se ainda não corro com as pernas, o faço com a cabeça, e sem saber por que, nem para que. Recordo o fim do poema de Drummond, que diz: “você marcha, José! Pra onde, José?”. Peço licença ao mineiro e me pergunto: “você corre, Ricardo! Pra onde, Ricardo?”

Ricardo Viel é jornalista, peladeiro, e recentemente entrou para o clube dos lesionados, como Nilmar, Ganso e outros craques da bola

Um comentário:

Anônimo disse...

Não corre, não. Não corre nunca mais. Desacelera o tempo, a angústia, as tristezas. Anda devagar, mas à toa, sem buscar uma resposta (porque ela não existe), anda assim como andam os poetas, distraídos e encantados, sem querer chegar a lugar nenhum. E depois ensina pra gente como se faz.
fernando evangelista

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics