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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O fim do ETA (um relato pessoal)

Era maio de 2002, a Copa do Mundo estava prestes a começar, e eu esperava no aeroporto de Barajas, em Madri, o voo que me levaria de volta ao Brasil depois de ter morado durante dez meses na Espanha.

Para passar o tempo, matar a fome e gastar as moedinhas de euros que eu trazia no bolso, fui até uma máquina e comprei refrigerante, salgadinho e chocolate. Quando terminei de comer procurei um cesto de lixo. Andei todo o corredor, voltei, e não achei.

Era de madrugada, não havia ninguém para me informar e não sabia o que fazer. Até que apareceu uma senhora da limpeza, varrendo o chão. Perguntei onde havia uma lixeira e me disse que não havia. “E que faço com isso”, perguntei mostrando o que tinha na mão. “Jogue no chão que eu recolho”, respondeu.

Foi naquele momento, depois de ter ouvido e lido à exaustão sobre o terrorismo do ETA, de ter participado de minutos de silêncio na universidade em homenagem às vítimas, de ter conversado com muita gente contra o grupo extremista (e alguns a favor), foi naquele momento, digo, que me dei conta realmente do que era viver sob aquele temor.

Não havia cesto de lixo no aeroporto porque era um lugar onde alguém poderia colocar uma bomba – como já havia acontecido e voltou a acontecer (em 2006, um furgão que estava no estacionamento do Terminal 4 explodiu e matou duas pessoas).

A existência do ETA significou, durante décadas, um pavor diário. A qualquer momento, em qualquer lugar, uma bomba poderia explodir. Foi o que aconteceu em Logroño - cidade onde eu vivi - meses antes de eu chegar à Espanha pela primeira vez. Um amigo morava a alguns metros do prédio que explodiu.

Conta que a polícia foi avisada uma hora antes e só teve tempo de evacuar aquele edifício. Não avisaram os moradores dos prédios vizinhos porque a saída deles poderia trazer piores consequências.

Por volta das duas da madrugada um forte estrondo arrebentou os vidros do apartamento do meu amigo – e de metade do quarteirão. “Ninguém precisou me dizer nada para eu saber o que tinha acontecido”, me contou.

O que realmente foi o ETA (Euskadi Ta Askatazuna, que significa em euskera, a língua basca, País Basco e Liberdade) é um assunto que requer muito mais espaço e conhecimento do que eu tenho agora.

O que acontecerá a partir de hoje, primeiro dia após o grupo ter anunciado que, depois de 50 anos e mais de 800 assassinatos, abandona as armas, também é tema que não me sinto capacitado para adentrar.

Mas o que posso dizer, como estrangeiro que pela segunda vez mora na Espanha, é que o dia de ontem foi muito importante para o país. Importante politicamente, importante para as famílias das vítimas do terrorismo, importante para todos os cidadãos que não estão de acordo com a violência. “Meus filhos só saberão do ETA pelo livros de história. Sonhei com esse dia durante metade da minha vida e ainda não acredito”, disse um político basco à Rádio Nacional.

Ainda resta a dor, as lembranças – o que não é pouco -, mas o medo já não tem porque existir. Já não há porque revisar os carros, não há porque usar guarda-costas, não há porque se assustar com um furgão estacionado no meio da rua. As lixeiras já podem voltar ao aeroporto de Madri.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR, atualmente mora em Salamanca, Espanha

3 comentários:

Raphael Tsavkko Garcia disse...

É necessári otambém analisar o medo que sentiam - e ainda sentem - os Bascos. Oprimidos por séculos, massacrados, torturados e assassinados por Franco, tendo sua língua proibida, sua cultura destriída. Fora décadas de pavor, de violência cruel imposta aos Bascos que tinham na ETA sua resposta. E a ETA era amada não só por bascos, mas por toda a Espanha durante todos os anos da Ditadura Franco e até o período da "redemocratização".

As torturas, ilegalizações, perseguições, assassinatos, prisões políticas e ampla repressão ainda continuam no País Basco.

Medo é o que vivem diariamente os bascos, com uma polícia (Guarda civil) assassina rondando por suas ruas, atacando o povo na rua. Medo é o que vivem os bascos que não sabem se poderão votar, falar sua língua ou não sabem se serão torturados pela polícia de graça, apenas pelo prazer da Espanha de submeter seu povo.

Felizmente a ETA deu um grande passo para seu fim, um passo compatível com sua história de luta, para o bem ou para o mal. A ETa matou mais de 800 pessoas, quantas mais a Espanha não matou?

Ricardo Viel disse...

Opa, Raphael, obrigado pela leitura e pelo comentário. O espaço aqui é plural e as opiniões diversas muito bem-vindas (sempre quando não haja ofensas etc). Como eu coloquei no texto, o meu é um relato pessoal, das coisas que vi. Conversei com vários bascos e com bastante gente favorável à independência da região (onde estive várias vezes). Esse medo que você fala e que de certa forma "justificaria" a existência do ETA, eu nunca vi. Sei da história, da opressão durante o Franquismo, e acho que se eu tivesse lá durante esses anos minha visão seria outra.
Enfim é tema para muita leitura e muita conversa. De novo agradeço pelo participação.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Olá Ricardo. Claro, eu respeito sua opinião, apenas quis mostrar que o "medo" dos espanhóis tem uma razão, que é a situação de opressão sobre os bascos. Estive eno País Basco há uns dois meses, pesquisando apra meu mestrado que trata da identidade basca e mesmo hoje há muito medo. E as histórias que oivu são de assustar, do que a Espanha e sua polícia sempre fizeram por lá.

A ETa nasceu contra Franco, uma reação, mas também pela independência. O medo que os espanhóis sentem hoje tem origem clara e, por mais que eu não defenda a ETA, não consigo sentir pena, especialmente quand ovejo as pesquisas que apontam o quão intolerante é a populaçã oespanhola, passando dos 60% aqueles que acham uma boa idéia exterminar as línguas minoritárias e que apoiam TODOs os métodos contra os bascos - incluso tortura.

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