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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Berlinda

Tenho uma amiga na Calle Cuba. Suave, tranquila, batalhadora. Há várias décadas, gasta grande parte de sua energia por uma causa. Coisa que eu, por exemplo, nunca farei. Descobrimos, há alguns anos, um passado comum muito peculiar: ambas somos filhas de famílias protestantes, o que sempre dá pano pra manga em nossas conversas, no melhor portunhol.

No seu belo apartamento dos anos quarenta, recebe as pessoas que têm o privilégio de sua amizade com uma alegria cálida e contida. Do terraço, se vêem a rua e as árvores, que teimam em espelhar o estado de espírito de quem as observa. (Nunca vou lhe dizer que a verdadeira dona da casa é a gata, que ocupa a melhor poltrona, estrategicamente posicionada, e controla tudo o que acontece em volta, e ai de quem sair da linha. Prefiro deixá-la na inocência.)

No auge da maturidade, minha amiga reencontrou o amor – correspondido. Está radiante. Passamos horas devorando um bife de chorizo, entornando uma garrafa de vinho e falando dos nossos amores e de como chegamos a ser as pessoas que somos e a viver as vidas que vivemos. Vê-la assim, apaixonada, nesse estado de espírito tão especial proporcionado por um novo amor, me alegra e me comove. Me faz lembrar da Martha Medeiros e sua “Sacanagem”.

Em pouco tempo, esta alegria será empanada por uma razão que me custa acreditar. Filhos. Não crianças pequenas, que exigem a atenção da mãe e, da parte dela, uma habilidade extrema para conciliar ex-marido, crianças, carreira e tudo o mais que já conhecemos bem.

Não. Filhos adultos, aqueles que, durante muitos anos, tiveram sua mãe ao lado, foram alimentados, cuidados, educados e formados. Desses que, em rodas de amigos, anunciam como são abertos a novas experiências, comentam as proezas amorosas e sexuais de gente conhecida e defendem seu próprio direito legítimo a viver sua vida de acordo com suas escolhas pessoais.

Esses mesmos se sentem no direito de questionar e constranger sua mãe. Sentem-se no direito de opinar e decidir o que ela deve fazer para que eles não se sintam prejudicados. Não hesitam em transferir para a mãe sua frustração, colocando-a numa berlinda injusta, pois ela terá que negociar o seu amor. Como se ela tivesse quinze anos, e estivesse fazendo coisa errada.

Pelo jeito, não sabem que sentimento desconhece proibição, ou, se sabem, não se importam em causar dor, desde que não seja para si mesmos. Seria muito fácil chamar isto de egoísmo, mesquinharia, mas prefiro deixar os nomes pra lá e torcer pra que minha doce amiga possa viver seu amor em paz.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

11 comentários:

Pastora Leila Müzel dos Santos disse...

Já estou de malas prontas me unindo a você nesta torcida pela sua doce amiga! Delícia ler os seus textos que me trazem à memória boas recordações de um querer bem.

Anônimo disse...

CEM POR CENTO DE ACORDO. NESSA ERA DA LIBERDADE É MUITO JUSTO QUE A MÃE,JOVEM OU IDOSA, POSSA VIVER OU REVIVER O AMOR.
SEU MODO DE RELATAR CONTNUA CARACTERÍSTICO DE QUEM SABE O QUE QUER TRANSMSITIR AO LEITOR. PARABÉNS. MUMMY DIRCIM

Cecilia disse...

Entro, também, nesta torcida e acalento o desejo de também viver um amor maduro! É uma delícia ler você! O seu jeito de escrever faz a gente se sentir como se estivessemos conversando, num "tricot" intímo e gostoso!

Anônimo disse...

Se ela tivesse ficado somente contemplando o pôr-do-sol (ih, será que ainda se escreve com hífen?), não ia ter ninguém pra criticar (kkkk!). Brincadeirinha, fico na torcida também para ela prestar mais atenção nela a essa altura da vida. Beijão, FF

iara disse...

lindo Junia!

Claudia disse...

Sem palavras. Bjs e amo vc

Anônimo disse...

Sinto-me constrangida quando me deparo com seres humanos que não conseguem entender que pais e mães têm o direito a felicidade em qualquer tempo da vida.
Sugiro e fico na torcida que sua doce amiga tenha uma boa conversa com a gata, a dona da casa; garanto que muita coisa irá mudar por lá.
Márcia Ester

Elezer Jr. disse...

Tendo sido espectador privilegiado de uma experiência semelhante com nosso avô materno, assino embaixo: amor não tem idade, e filhos devem entender o amor de pais (ou avós!) maduros com a mesma tranquilidade com que deveriam entender o amor dos próprios filhos. E concordo com a Márcia: uma conversa com a gata deve por as coisas na perspectiva correta ;-))

Esther disse...

Se as pessoas se colocassem no lugar umas das outras jamais se julgariam donas e senhoras de outros seres humanos. Que autoridade eles têm de atrapalhar uma história de amor? Vou mais além: se um dia eles perceberem que são protagonistas da infelicidade de sua mãe e ela não estiver mais com eles, como carregarão esta culpa?

Quadra Brasilia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Quadra Brasilia disse...

Junia, o texto que falei sobre filhos é esse. Achei que eu estava caducando.
Adorei.

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