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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Faço Foto Procura-se Personagens

Descrição: Uma fotógrafa posiciona-se com sua banca em meio ao caos de um grande centro urbano. Ela propõe que os apressados passantes parem e tirem um retrato. Uma placa diz: FAÇO FOTO PROCURA-SE PERSONAGENS. Há um tripé com um banco em frente, luz e cadeira. O pano de fundo é a própria cidade, os prédios, os olhares curiosos. Os que correm por detrás do sujeito retratado são borrões, porque ali na cadeira o tempo congelou um personagem.

Saindo em busca de um lugar para me posicionar, me deparo com pessoas e espaços. Os lugares sugerem coisas, são cheios de subjetividade. Prédios velhos e abandonados competem no cenário com brilhantes vitrines, praças ao sol pedem calma a gritaria dos ambulantes, a rua de paralelepípedo acha um desbunde a avenida veloz. No emaranhado arquitetônico os sujeitos cruzam-se, são engravatados, pés descalços, trabalhadores, habitantes, aposentados, artistas, camelôs. É ululante, é a variedade.

Entender o centro como um território onde há sentimento de pertencimento, conflitos, histórias, passado e geografia é importante para uma ocupação ativa – não passiva, não passageira. Os acontecimentos de um centro urbano são fagulhas e não se repetem, pela improbabilidade da mesma combinação. São muitas os rostos, as luzes, os cenários, os humores, a chuva, o sol. O centro assume a contraditória característica do irrepetível combinado aos territórios simbólicos, onde existem certas regras de convivência. E percebendo estas arestas que configuram a singularidade deste local que um tripé inter-relacional sustenta o trabalho: a fotógrafa, o personagem e a rua.

Este trabalho teve inicio em Porto Alegre, em janeiro de 2012, no centro da cidade. Duas praças e uma esquina já foram percorridas num estudo progressivo das possíveis imagens do outro. A busca por personagens reais é uma pesquisa que começou quando tive minha primeira experiência com o cinema documental, em 2010. Pessoas entrevistadas por duas horas entram no corte final do filme com uma aparição de três minutos. Transmutam-se. São pessoas complexas e na película são somente personagens. Isto é porque a linguagem fílmica e fotográfica representa o real; ela não é o real.

Este é um antigo debate que só vem a contribuir para a construção de trabalhos que transitem na fronteira entre a ficção e o documentário. Despertando quem vê para as questões relativas ao imaginário, a fabulação, ao fantástico, a loucura. Procura-se Personagens busca no encanto ordinário das cidades e suas gentes a força das histórias pessoais, o vínculo entre lugares e pessoas, o desejo de ser personagem e o ato coadjuvante de registrar tudo isso em imagem.


Ana Mendes, gaúcha de nascimento, errante de coração e profissão. Fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Trabalha como fotojornalista freelancer entre Brasília e Porto Alegre. Mantém a coluna mensal Faço Foto

Um comentário:

Andy Marshall disse...

Brilhante trabalho Ana Mendes. :)

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