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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Caixinha aberta

Algumas ideias grudam na gente ao longo da vida. Um dia lá, você ouve ou lê algo que faz sentido, que combina com o que você sente ou pensa, mas que ainda não estava formulado. E pimba! aquilo se incorpora à sua visão da vida.

Livros e filmes fazem muito isso. Lembro a emoção que senti ao identificar, nos autores que li na adolescência e juventude, como a liberdade era importante pra mim – e a ansiedade que isto me trouxe. No mesmo pacote da liberdade, estavam as escolhas pessoais e a possibilidade de construir a minha própria vida, de acordo com as minhas convicções. Daí para concluir que a vida é feita de escolhas, foi um passo.

Há muito tempo, incorporei a ideia de que a gente vive a vida que escolhe, principalmente quando teve oportunidade de comer, estudar e se educar. Não suporto pessoas de mais de trinta anos que responsabilizam os pais, a família, o governo, a falta de sorte, a conspiração cósmica, deus ou o diabo por não terem uma boa vida, aquela que sonharam. E isto não tem necessariamente a ver com ser milionário e famoso, como muitos pensam, mas com o que é importante para cada pessoa. Pode ser uma profissão sonhada, um grande amor ou um ideal político, coisas que ocupam um lugar central na vida. Buscar pessoalmente os caminhos que levam ao que nos satisfaz, saber lidar com situações adversas e superá-las, são premissas da vida adulta, mesmo sabendo que não temos, nem nunca teremos, controle total sobre a nossa vida.

Mas os dias vão rolando, e a gente vai encontrando outras ideias, que tocam em outros botões e acendem novas luzes.

Dia desses, eu almoçava com uma amiga, que me contava sobre a conversa que tivera com os filhos sobre as tais escolhas. Esta querida amiga vem de um país africano que deixou de ser colônia há poucos anos, numa luta que contou com seu engajamento pessoal. Mas a situação se complicou a tal ponto, que ela decidiu se candidatar a um bom emprego num país europeu, foi selecionada e se mudou para lá com a família.

Deu a todos a impressão de que havia escolhido partir, motivada pela possibilidade de ter e oferecer aos filhos uma vida mais tranquila, que não era pouca coisa, no contexto em que viviam. Mas ia muito além disto. Ela estava, em suas próprias palavras, elegendo entre a opção que destrói e aquela que salva. Aí, já deixa de ser escolha, porque quem, em seu juízo perfeito, iria pelo caminho da destruição?

Não é fascinante? O 2+2 que eu tinha bem arrumadinho na cabeça sobre o assunto se desfez num instante, me obrigando a abrir a caixinha das certezas. Coisa boa! Preciso ainda pensar muito mais sobre isto.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

8 comentários:

coresentrenos disse...

Escolher muitas vezes é não escolher também. Tudo depende do momento, da estratégia de vida, da força de vida e principalmente do amor e o cuidado que se devevter consigo.
Desejo boas escolhas para você.
Bjos, bjos

Fernanda Pompeu disse...

É isto mesmo: a cabeça da gente arruma e desarruma, ordena e desordena.
Muito bom!

Anônimo disse...

Botões da mente sempre ligados.A luzinha pode acender a qualquer momento. Escolhas ??? Situação difícil. As vezes as circunstâncias inesperadas nos empurram para "escolhas" as mais complicadas. O simples mudar de conceitos ? Temos o direito de renovar o estoque psico-social a cada momento.
Bjs da Mummy Dircim

Shirley disse...

Também adoro coisas que bagunçam o meu coreto, que me fazem reavaliar, repensar as certezas, que nem gosto muito de ter. Tão efêmeras são as certezas... Claro que precisamos estar abertas a isso. A coisa que mais me irrita numa pessoa é quando percebo que ela nunca questiona suas certezas. Mas também entendo que, diante de determinadas vidas, ter alguma certeza inabalável é fundamental.
Olhaí mais uma conversa pra algumas horas de bom papo... Tô com uma saudade horrível de você. Beijos!

PS: cadê a Mummy Dircim?

Monica Galvão disse...

Oi Júnia,
Penso que a maioria das pessoas não é educada para se responsabilizar por suas escolhas.Fica presa a um sistema de crenças rígido e formatado, pelo medo de "bancar o preço". Recebe "mastigado" e passa "mastigado". Escolher pode dar angústia pelo desconhecido e a escolha responsável exige um mínimo de auto conhecimento. E convenhamos...o que não falta é gente ignorante de si mesma!
Bela reflexão!
Um grande abraço para vc!

Anônimo disse...

Oi Junia P,

Eu bem sei o preço das escolhas. Banquei as minhas, não me arrependo, mas teria feito muita coisa de outro jeito. Mesmo quando nos responsabilizamos por nossas vidas, sempre surge uma situação que nos obriga a repensar e corrigir a rota. Assim é a vida, ter um plano mas poder mudá-lo, como a água desvia da pedra.
Beijocas,
Myriam

Anônimo disse...

Depois de uma – aparentemente – inocente pizza na casa de Joana, na cia de Carol e Rossano, a única coisa que consigo pensar é em como usar o chador pode ser libertador para alguém. Isso e seu link de submissão com pintar o cabelo e depilação íntima ocidental. O pimba com o chador ainda não rolou, mas já alcancei algumas eurekas. A principal: minha caixinha das certezas na verdade é um contêiner de incertezas. E você, já pensou em abrir uma tenda cigana para poder capitalizar essa tua fantástica habilidade de adivinhar nossos pensamentos e emoções? Beijos, Gisele

Anônimo disse...

Estou adorando brincar de cigana, Gisele. Júnia

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