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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Aconteceu numa primavera


Estou com preguiça de datas. Mas vamos lá. A coisa sucedeu no 22 de setembro de 1977. Peguei a maquininha de subtrair: há exatos trinta e cinco anos. Ou seja, muitas leitoras e leitores deste Nota de Rodapé nem tinham nascido.

Foi uma invasão. A polícia cercou o prédio. Entrou. Distribuiu cacetadas. Quebrou muita coisa. Feriu pessoas. Prendeu mais de 700 estudantes. Eu era um deles. Vou dizer: senti um medo medonho. Medo de apanhar, medo de ficar presa, medo da ditadura.

Vou fazer a narração linear. O assalto foi à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC. Eu era aluna da USP e estava na PUC, ao lado de mais de dois mil colegas, para tentar realizar um Encontro Nacional dos Estudantes.

Apenas isso. Um encontro de estudantes. Mas na ditadura, toda e qualquer oposição era vista pelos militares como um atentado à segurança nacional. Nitroglicerina pura. Eu sei que para os menores de 30 anos fica difícil acreditar nessas histórias de repressão e autoritarismo. Mas são fatos.

Então eu estava na PUC de Perdizes, quando vi a tropa de choque cercando o prédio novo (que hoje é velho). Daí passei a ouvir, ver, cheirar as bombas de gás lacrimogênio disparadas contra nós. A cor do gás era alaranjada, se é que a memória não está trapaceando.

Também lembro de um corredor polonês. De todos no estacionamento em frente à universidade. Ouço a voz do coronel Erasmo Dias (procurem por ele no google) ordenando: "Todos os que forem estudantes da USP estão presos!"

Estava claro, ele não podia prender os alunos da PUC: "Pois nem todos estavam aqui fazendo baderna." Aí vi uma fileira de ônibus da antiga CMTC abrindo as portas para nos carregar. Pela janela do ônibus olhava as pessoas nas varandinhas das casas. Me lembro da cara de espanto de um senhor.

Fomos levados para o Quartel Tiradentes, na avenida com o mesmo nome. Lá fomos fichados, constrangidos e, na manhã seguinte, a maioria foi liberada. Quem já havia sido preso foi encaminhado para mais constrangimentos no DOPS. Cujo prédio hoje abriga o Museu da Resistência.

Vida que segue. A ditadura caiu. A democracia chegou. Nos dias que correm, todo mundo pode fazer encontros nacionais do que quiser. A internet está aí garantindo o fluxo livre e contínuo de opiniões. O Brasil e o mundo são outros.

Eu também mudei. Deixei de crer em muitas coisas. Sigo acreditando em tantas outras. Estou me aproximando dos sessenta anos. Sou uma senhora, afinal. E como toda senhora tenho várias histórias para contar. Esta tarde, resolvi contar essa.

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e colunista do Nota de Rodapé, escreve a coluna mensal Observatório da Esquina. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

2 comentários:

Tito Glasser disse...

Olá,

Sensacional, se está palavra permite a ocasião, sendo que o correto era utilizar a palavra "Aplausos", para um fato revolucionário e de resistência estudantil. Já que hoje temos a democracia, mas muitos estudantes e o povo em geral não tem voz para lutar pelos seus direitos.

Muito obrigado Fernanda Pompeu, um grande salve e abraço aos colaboradores do Nota de Rodapé.

Atenciosamente,

Tito Glasser

Fernando Evangelista disse...

Ótimo, Fernanda. Excelente texto, grande história.
Grande beijo

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