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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Tudo ao mesmo tempo agora

Foram décadas de gestação do desejo de conhecer Berlim, uma cidade outrora efervescente, mas que se encontrava dividida por um muro, num país partido por razões difíceis de entender pra uma adolescente bisbilhoteira do que rolava pelo mundo. Nos últimos anos, a curiosidade só aumentou, pelo incrível desfecho da divisão, posta abaixo pelos moradores da cidade, com suas próprias mãos.

Cheguei agora, quando o que sobrou do malfadado muro é um traçado no chão, alguns pequenos trechos preservados intencionalmente e “lascas” que dizem ser dele, vendidas em medonhos invólucros de acrílico nas lojas de badulaques turísticos. Meu hotel fica na antiga parte ocidental, próximo à praça Wittenberg e a uma rua de comércio das mais concorridas. Até onde pude perceber numa visita de poucos dias, nada restou na vida cotidiana da cidade que sugira que algum dia ela foi dividida. Difícil imaginar o dia a dia controlado pela Stasi em sórdidos detalhes, magistralmente registrado no filme “A vida dos outros”.
enquanto algumas são obrigadas a se cobrir de preto e andar pela vida como zumbis anônimos, outras se submetem a tiranias diversas, como padrões de beleza e comportamento que nos roubam a autoestima e tentam eliminar as diferenças individuais que fazem de cada uma de nós aquilo que somos.
Tendo sido palco de tudo quanto é acontecimento relevante para a história da Alemanha, em que pese o gosto germânico pela grandiosidade, e destruída e reconstruída diversas vezes, a monumentalidade do miolo de Berlim é de deixar brasiliense de queixo caído e pés maltratados. Além das grandes distâncias, é preciso contornar quilômetros de tapumes. A cidade é bonita, com céu amplo e profundo, mas parece que resolveram reformar todas as avenidas, edifícios históricos e praças ao mesmo tempo. Para nossa sorte, os museus estão ali, paradinhos, esperando que entremos e aproveitemos tudo o que pudermos dos magníficos acervos. Valem a viagem, o frio e a chuva.

Multidões de turistas se deslocam pra lá e pra cá, e aposto que muitos nem percebem que o conjunto de blocos de concreto geométricos que formam um grande labirinto a céu aberto, ladeado pela rua Hannah Arendt, é o Memorial do Holocausto. Mas como não perceber?

Hoje, quando desci para o café da manhã no hotel, dei de cara com uma mulher toda coberta de preto, naquele traje que deixa aberta só uma frestinha para os olhos, usado pelas muçulmanas em algumas regiões mais conservadoras. Estava acompanhada de outras duas mulheres, que tinham a cabeça coberta mas vestiam roupas “ocidentais”, e um homem jovem, que ostensivamente comandava o grupo. Os quatro ocuparam sozinhos uma grande mesa. Foi difícil controlar o incômodo que aquele grupo me causou. Esta convivência é inevitável na Europa de hoje, e está na origem de tantas situações de estranhamento e intolerância.

Pois é, enquanto algumas são obrigadas a se cobrir de preto e andar pela vida como zumbis anônimos, outras se submetem a tiranias diversas, como padrões de beleza e comportamento que nos roubam a autoestima e tentam eliminar as diferenças individuais que fazem de cada uma de nós aquilo que somos. Mas tudo bem, eu sei, este é um outro assunto. Só está aqui porque me fez pensar em muros, barreiras que estão esperando para ser derrubadas e superadas.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora

5 comentários:

Anônimo disse...

Pois é : Berlim ,guerra,separação de irmãos, humilhação, tudo feriu o brio de um povo lutador. O muro da vergonha foi derrubado mas e a verdadeira separação ? Como vive o mundo hoje, que não aprendeu a dura lição ? A separação aumenta a cada momento,especialmente no nosso querido Brasil. Mas não cabe aqui o levantamento de questões.
Parabéns, Júnia. Continue.
Beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

São tantos muros, né Junia?
Suas palavras nos ajudam a transpassá-los quando não conseguimos derrubá-los de vez...
Que bom!!!
Gracias!!
Carol

Anônimo disse...

Voltou com a corda toda, hein? Deve ter assunto para muitas semanas (sorte nossa), pois não faltam olhos perspicazes e sensibilidade à flor da pele. Imagino que se aquele muro estivesse por lá você o teria escalado sem pudor! Grande beijo, Olga Ronchi

Anônimo disse...

Ah teria mesmo, pra depois aguentar a espinhela caída... J.

Anônimo disse...

Muito bom

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